“A característica mais marcante deste momento histórico não é que estamos a caminho de destruir nosso mundo — na verdade, estamos neste caminho há algum tempo — mas que estamos começando a despertar de um sono de milênios para um relacionamento totalmente novo com o nosso mundo, com nós mesmos e com os outros.” — Joanna Macy
A sociedade de crescimento industrial
A sociedade de crescimento industrial fez das pessoas engrenagens na roda da produção e do consumo e está devastando os recursos limitados da natureza. Ela nos isolou do mundo natural e nos fez perder a percepção de nossa conexão com todos os seres.
Mais ainda, ela nos fez esquecer que nós somos a própria Terra tomando consciência de si mesma. A visão analítica e mecânica característica dessa sociedade obscureceu a visão holística e orgânica dos fenômenos impedindo-nos de ver a vasta e complexa rede de relações interdependentes de todos com tudo.
As crises convergentes, cuja conta é paga pelas populações desprivilegiadas, são causadas pelo atual sistema econômico dependente da aceleração do crescimento baseado no consumo e, consequentemente, no esgotamento dos recursos naturais.
Essa economia suicida define seus objetivos e mede seu desempenho em termos de lucros corporativos cada vez maiores. Isso implica em velocidade crescente de especulação e transformação dos recursos naturais em mercadorias associada ao aumento da concentração de renda e da desigualdade social.
Mas uma revolução está em curso porque estamos percebendo que as nossas necessidades podem ser atendidas sem ameaçar as comunidades humanas e sem destruir o nosso próprio mundo. Estamos começando a perceber que já temos o conhecimento técnico, os meios de comunicação e os recursos materiais necessários para cultivar alimentos suficientes em qualidade e quantidade e atender as nossas necessidades energéticas garantindo a integridade socioecológica dos territórios.
Com essa percepção, a Grande Virada se fortalece.
O tempo profundo
Entre outras coisas, a nova história da humanidade — a Grande Virada de uma sociedade de crescimento industrial para uma sociedade que sustenta, promove e celebra a vida — se constrói em cima da percepção ampliada do tempo de modo que o passado e o futuro se fazem presentes no agora.
Trazemos o passado para habitar o presente ao reconhecer e, verdadeiramente, considerar a sabedoria das tradições ancestrais que vieram antes de nós. Trazemos o futuro para habitar o presente cuidando das necessidades das futuras gerações e pegando-lhes emprestado a sua perspectiva sobre o que se passa no mundo hoje.
Joanna Macy diz que, se houver um mundo habitável para as futuras gerações, elas olharão para a transição histórica que estamos atravessando hoje como uma inescapável aventura e uma Grande Virada do rumo do mundo.
Com essa noção de tempo profundo somos capazes de ver como a Grande Virada ganha impulso e acelera através das escolhas de incontáveis indivíduos que se unem para promover vida dirigidos pela vontade de deixar um mundo melhor para os que hão de vir e informados pelas tradições de sabedoria ancestrais.
Embora não seja reconhecida pela mídia sob controle das corporações, ela pode ser vista em uma infinidade de iniciativas engajadas em conter os danos feitos à Terra, criar alternativas estruturais ao jeito como nos organizamos política, social e economicamente, e transformar consciências.
A escolha incondicional pela vida
Apesar de não ter como saber se será possível habitar uma era ecológica informada pelo sentido de interdependência e pertencimento mútuo, devemos saber que as causas para a sua emergência se fazem presentes. De fato, contar a atual história da humanidade como uma transição em direção à consciência biocêntrica e ética de cuidado com a vida surge em resposta direta às crises ecológicas, sociais e econômicas do nosso tempo.
A narrativa da Grande Virada nos ajuda a enfrentar os desafios presentes com a visão clara e o coração aberto, sem apego aos resultados de nossas ações e sem deixar que a sobrecarga emocional nos paralise. Em vez de nos impor regras ou declamar sermões, ela nos convida a olhar para o contexto atual e fazer nossas próprias escolhas.
Nós podemos escolher a maneira de ver a história da Terra e da humanidade se desdobrando hoje. E a maneira como escolhemos vê-la faz toda diferença em como escolhemos dela participar. Somos capazes de perceber e alimentar o levante de uma virada ecológica apesar do regresso de regimes autoritários, do ápice da crise climática, dos incontáveis crimes ambientais, do acirramento da violência nas periferias urbanas e de toda a loucura cometida em nome do auto-interesse, dos lucros corporativos e do vício em poder?
Seguir escolhendo pela vida, apesar de todos os apesares, é a condição para que possamos agir em seu nome e a seu favor.
[Este texto é parte do material de apoio da jornada Em busca da visão – propósito pessoal a serviço de Gaia]
Referência
Joanna Macy e Molly Young Brown. Nossa vida como Gaia: Práticas para reconectar nossas vidas e nosso mundo. Gaia, 2004.
Parabéns pelo texto Juliana! Inspirador!
[…] radical é uma saída mais entusiasmante. Abraçar o desespero com curiosidade sem se eximir na Grande Virada em tempos de tremendos retrocessos é uma atitude de grande coragem. Seguir com disposição […]
[…] Da sociedade de crescimento industrial à sociedade que sustenta a vida, do Antropoceno ao Ecozóico, da consciência ego-sistêmica à consciência eco-sistêmica… Através de todas essas formas de contar a história da transição que vivemos hoje vemos a necessidade de superação da história da separação pela história do interser. […]
[…] “eco” que honra e atende aos convites da grande obra em direção ao Ecozóico e da grande virada em direção a uma sociedade que promova a vida. Pode-se distinguir três estágios principais na evolução do pensamento econômico nos últimos […]
[…] Berry concorda com Joanna Macy quanto ao fato de que nossa tarefa histórica é fazer a grande virada da civilização industrial moderna para uma sociedade de presença benigna na comunidade de vida […]
[…] de cinco textos onde ilustramos essa transição de histórias a partir de complementares visões: Da sociedade de crescimento industrial à sociedade que sustenta a vida; Do Antropoceno ao Ecozóico; Da consciência ego-sistêmica à consciência eco-sistêmica; Da […]
[…] Berry concorda com Joanna Macy quanto ao fato de que nossa tarefa histórica é fazer a grande virada da civilização industrial moderna para uma sociedade de presença benigna na comunidade de […]