Vamos praticar? (convite para ampliar a percepção)

Foto: Mauro Moura

No fim do último email que enviamos na newsletter havia um “convite para aumentar a percepção”. O texto do email abordava a relação entre saúde, liberdade e autoconsciência a partir da perspectiva antroposófica e fazia um convite para a tomada de consciência a respeito do que pode estar sendo dito por uma situação que nos toca e provoca.

Com esse email quero reforçar o convite feito e indicar alguns movimentos de um modo de observar fenomenologicamente eventos cotidianos. O que segue aqui é uma derivação para observar fenômenos humanos e sociais a partir da metodologia de observação de fenômenos naturais de Goethe.

O parágrafo final do email anterior era:

Então, na medida em que crescem desconfortos (talvez ainda insignificantes) é o momento de nos lançarmos à pergunta “o que está se precipitando através desta situação?” e nos rendermos ao processo de viver a investigação desse fenômeno.

(Não se limite aos desconfortos. Você pode observar qualquer situação ou evento que tenha te tocado e atravessado, capturado sua atenção e energia.)

Movimento 1. Lançada essa pergunta à vida, olhamos objetivamente para como a situação se dá no espaço: O que efetivamente aconteceu? Quem estava presente? O que foi feito, dito? Como estavam as pessoas? O que cada uma delas fez? Quais as emoções e motivações presentes? Se você participou da situação, se inclua nessas perguntas.

Com isso, buscamos recriar a imagem do fenômeno observado dentro de nós. Isso o vivifica e funciona como uma ponte entre nossa percepção e o evento. É fundamental que essa seja uma observação sem julgamento, uma descrição precisa feita pacientemente e isenta de juízos, premissas, suposições. 

Movimento 2. Depois olhamos para essa situação no tempo, como um evento de uma linha do tempo mais ampla, a fim de perceber o que a antecede e sucede. Há algo nela que se repete em experiências anteriores e posteriores? O que lhe é genérico e o que lhe é específico? Ela se conecta com outras situações? De que forma? Há padrões que lhe são subjacentes e se evidenciam agora?

Continuamos sustentando um olhar descritivo e isento de julgamentos. Nos importa capturar a imagem do fenômeno no espaço destrinchando seus diferentes aspectos e, agora, imaginar (porque não conseguimos ver efetivamente) o que aconteceu ao longo do tempo, isto é, no espaço entre um instante e outro, e que fez parte do processo dessa experiência como um todo.

Movimento 3. Depois de um período dedicado a isso começamos a contemplar o que a observação dessa situação evoca no nosso mundo interno. Quais sentimentos e sensações me surgem enquanto estou observando o fenômeno? O que ressoa em mim quando o observo? Entendendo esse fenômeno como uma totalidade: o que ela parece querer dizer? qual gesto emana dela?

Aqui uma espécie de conversa envolvente e permeada por forças sutis começa a se desenrolar. Começamos a ver o que era invisível. Um mistério começa a se desvelar e vai crescendo em nós um fluxo de insights. A vontade de conhecer a essência do fenômeno observado aumenta bem como a de que esse nosso encontro com ele nos transforme.

Movimento 4. Esse é o momento em que começamos a nos perguntar sobre o que quer emergir desse encontro. Depois de construir uma imagem interior fiel ao evento exterior e contemplar essa imagem acolhendo o que ela evoca em nós, surge um impulso para a ação, uma ação intuitiva. Segundo Rudolf Steiner, a intuição se manifesta através de um gesto que surge subitamente movido pelo pensar claro de um eu autoconsciente.

Nesse processo de observação, certamente, o observador foi transformado. Ele teve que ir além de suas simpatias e antipatias, observar sem avaliar, se concentrar, esperar pacientemente e perseverar, ter hipóteses contrariadas — flexibilizar seu pensar, sentir e querer da forma e no ritmo que essa relação sugeria. A ação que surge já surge, portanto, de um eu atualizado. E como lembra Allan Kaplan, o simples olhar para algo também o transforma. O fenômeno permeado pelo nosso olhar já não é o mesmo de antes, uma nova força foi acrescentada ao seu vir-a-ser.

“Nossa atividade de olhar é uma luz que torna o mundo visível.” — Ronald Brady

“O tipo de atenção que trazemos para o mundo muda a natureza do mundo ao qual prestamos atenção.” — Iain McGilChrist

 


Fenomenologia aplicada à saúde e ao desenvolvimento humano

Encontro do ciclo de Fenomenologia aplicada no Círculo Regenerativo

Na quarta, 27/07, 19h a médica antroposófica Tânia Helena irá trabalhar a observação fenomenológica de processos de saúde e adoecimento, e a sua importância no desenvolvimento humano. Esse encontro é o segundo do ciclo de Fenomenologia aplicada. Se o tema te interessa e for um bom momento, será um prazer te receber na comunidade.

Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

Deixe um comentário