“A razão da vida é fazer mais vida. A razão da vida é trazer mais vida para tudo o que é para tornar o universo cada vez mais vivo. A vida está se desdobrando cada vez mais. E o ponto — e este é apenas um modo de ver as coisas — é fazer parte do crescente florescimento da vida.” — Charles Eisenstein
Dominar a matéria e rebaixar a natureza?
“O mundo não é um problema a ser resolvido; é um ser vivo ao qual pertencemos. O mundo é parte de nós mesmos e nós somos parte de sua totalidade de sofrimento. Até chegarmos à raiz de nossa imagem de separação, não pode haver cura. E a parte mais profunda de nossa separação da criação está em nosso esquecimento de sua natureza sagrada que também é nossa própria natureza sagrada. — Llewellyn Vaughan-Lee
Fomos acostumados a acreditar que o papel da humanidade sobre a Terra era explorar essa fonte supostamente infindável de recursos. Acreditamos que deveríamos nos distanciar da natureza para nos aproximarmos da cultura cuja expressão maior seria o desenvolvimento industrial e tecnológico. Ao explorar e dominar a natureza ficaríamos imunes aos seus riscos e desfrutaríamos de segurança e conforto.
Isso foi cientificamente justificado pelo paradigma materialista que entendeu o big bang como acidente e a existência humana como acaso legitimando a crença de que, por sorte da evolução, somos um corpo físico com capacidades cognitivas sofisticadas e, por isso, superiores a tudo.
Consequentemente, nos tornamos porta-vozes da globalização capitalista construída em cima do ceticismo autocentrado e da indiferença ao planeta. Pensamos: já que não há propósito para nossa existência, a nós cabe viver uma vida destituída de responsabilidades sociais e ecológicas em busca do máximo proveito individual.
Este foi o maior infortúnio do ser humano. Acreditar ser o centro da vida sem se responsabilizar por suas competências intelectuais frente à saúde planetária instaurou uma ética colonizadora em que o sucesso da humanidade significou exercer domínio sobre a matéria e rebaixar a natureza à condição de serva da humanidade.
Com o auto-interesse no comando, reforçado pela ciência e política modernas, esquecemos quem somos e o que viemos fazer. O nosso egoísmo foi normatizado e o desrespeito e a ignorância perante a vida se tornaram a ordem do mundo.
Consciência humana, desdobramento da evolução planetária
“A aparição da humanidade constituiu uma grande oportunidade para Gaia. […] Somos, de certa forma, seu sistema nervoso. Em todo caso, é graças a nós que ela de algum modo tomou consciência de si mesma e inclusive conseguiu se ver a partir do espaço exterior. Ela perderia muito se nos perdesse.” — James Lovelock
Mas, ao contrário do que se proclamou, nós não somos apenas uma fagulha de inteligência encapsulada em um corpo físico a serviço do auto-interesse. A humanidade é expressão do próprio universo tomando consciência de si mesmo. É uma expressão autoconsciente do cosmos enquanto a última — e apenas a última — inovação da Terra. Isso nos confere autoridade e nos exige enormes responsabilidades.
A natureza envia mensagens claras de que é hora de sair do esquecimento porque ele se tornou responsável por comprometer a saúde da nossa casa comum. Já é tempo de abrir mão do orgulho, assumir nossos erros e reverter os danos causados. Precisamos curar o nosso sentido de separação e incorporar o nosso propósito enquanto parte da comunidade planetária.
A Teoria de Gaia, desenvolvida por James Lovelock e Lynn Margulis, entende que a biosfera e os componentes físicos “não-vivos” da Terra são intimamente integrados de modo a formar um complexo sistema interagente que mantém as condições climáticas e biogeoquímicas a favor da vida.
A partir deste entendimento, eles sugerem que o propósito da Terra enquanto organismo vivo é criar as condições propícias para o desenvolvimento da vida. Assim sendo, o propósito humano, enquanto parte da teia da vida, é participar apropriadamente da comunidade de vida do planeta para que essa meta se realize.
Ernst Götsch, pesquisador botânico e precursor da agricultura sintrópica, diz que todas as espécies vêm equipadas para realizar a sua função ecossistêmica movidas por um prazer interno. Nós viemos equipados com a autoconsciência que nos confere a capacidade de usufruir da liberdade, fazer escolhas e assumir responsabilidades para que possamos elevar o planeta a uma maior ordem de evolução da vida e da consciência.
Deveríamos estar usando nossa inteligência para compreender o funcionamento da vida e atuar a seu favor. Deveríamos estar usando a consciência auto-reflexiva para ampliar o sentido de nossa existência e nos percebermos como expressões de Gaia. Mas, no meio do caminho, começamos a fazer o contrário disso. Construímos meios para atender necessidades humanas — muitas vezes ilegítimas — sofisticadíssimos que destroem a vida.
Por isso, o nosso propósito hoje passa por nos mostrarmos à altura da tarefa de reverter os danos causados pela progressiva derrubada de florestas, poluição atmosférica, alteração dos ciclos hidrológicos, erosão da biodiversidade, violência humana e desigualdade social. Só nós podemos desarmar as ogivas nucleares por nós construídas e capazes de destruir muito mais que o nosso planeta. Só nós podemos conter e reverter os impactos que nós produzimos.
Propósito humano, realizar a meta de Gaia
“A motivação para a nossa ação curadora e transformativa não vem do propósito de instaurar justiça social, preservar as florestas tropicais ou curar pessoas. Mas, do autointeresse da Terra, do despertar da Terra sobre si mesma.” — Joanna Macy
Inevitavelmente, o propósito pessoal está a serviço do propósito coletivo. A saúde pessoal está a serviço da saúde planetária. A realização pessoal está a serviço da realização planetária. A vontade do planeta de fazer a vida prosperar deve governar as vontades humanas porque o bem estar humano só pode se realizar com a garantia do bem estar do mundo que nos envolve. A expressão de nossas individualidades deve gerar valor no todo. Os nossos dons e talentos colocados à serviço da vida devem ser uma das formas de celebração do universo.
O planeta não é um objeto de um sonho humano. Ele é uma entidade própria com poderes intrínsecos. E a nós, humanos, resta a nobre tarefa de sermos sonhadores do sonho da Terra. Não podemos e não devemos operar apenas em nosso próprio nome. Parte da nossa missão enquanto humanidade é superar o esquecimento de que somos expressões de um processo evolucionário que se estende por bilhões de anos e caminha a novos níveis de desenvolvimento da vida e da consciência.
Temos um enorme potencial para realizar na evolução cósmica e planetária. Somos dotados de competências nunca antes vistas em todo o tempo de existência do planeta. A humanidade dá as condições para que a Terra se veja através de nossos olhos, para que se compreenda através de nossa inteligência, para que goze através de nossos sentidos. Não podemos subutilizar nossas competências. É tempo de nos re-alinharmos com o nosso propósito comum e sermos expressão da voz da Terra.
[Este texto é parte do material de apoio da jornada Em busca da visão – propósito pessoal a serviço de Gaia]
Referências
Ernst Götsch. O Renascer da Agricultura. AS-PTA, 1996.
James Lovelock. A vingança de Gaia. Intrínseca, 2006.
Joanna Macy e Molly Young Brown. Nossa vida como Gaia. Gaia Editora, 2004.
Thomas Berry. O sonho da Terra. Petrópolis: Vozes, 1991.
Nunca tinha lido algo que fizesse tanto sentido.
Sim acredito nessas palavras,e mais não somos diferentes de nenhum ser vivo que nasceu e que nasce na terra,somos todos parte da mesma fonte de vida e cada um assumindo seu papel na natureza assim como nós, sim nascemos com o ímpeto da convivência wue a natureza nos deu, e mudamos o nosso comportamento a cada instante as vezes para o bem e as vezes para o mal,mas para a natureza somos inconciente.
Concordo que cada ser humano tem o seu propósito aqui na terra,e não somos diferentes de nenhum que nasceu e nasce aqui na terra!
Acredito que somos parte do Universo, no começo de nossas vidas ,um pequeníssimo grão de energia sólida, depois somos fortalecidos por diversos fatores naturais, que nos torna um pequeníssima ser vivo que será transformado, em determinado tempo em energia Cósmica.Contribuindo para o fortalecimento dos grãos que atuarão nos tempos infinitos.