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A era ecológica (parte 3)

Precisamos confrontar a força mítica da ilusão do paraíso industrial, superar o enfeitiçamento pelas cidades e indústrias e parar de terceirizar para a tecnologia as soluções que nos exigem autorresponsabilidade e mudança de paradigma

Essa sequência de três textos intitulados “A era ecológica” é inspirada pelas reflexões de Thomas Berry no livro “O sonho da Terra”. Ele é considerado um dos grandes nomes do pensamento ecológico. Exerceu os ofícios de sacerdote católico, historiador cultural, eco-teólogo e gostava de ser referido como cosmólogo e acadêmico da Terra.

Nos dois textos anteriores vimos que a era ecológica é uma passagem necessária da humanidade na Terra. A humanidade vive hoje a iniciação à sua fase adulta. Tornaremo-nos minimamente maduros em relação ao destino da Terra e à nossa participação nele na medida em que reconhecermos os princípios orientadores do cosmos e incorporamos a agenda de princípios para a era ecológica.

Mas, para que isso seja possível é fundamental superar o mito do paraíso industrial que nos faz pensar e agir como pensamos e agimos hoje. Esse mito nos faz crer que o desenvolvimento da humanidade deve acontecer mediante a intensificação modernizadora com avanço tecnológico e crescimento econômico infinito que vem com o saldo inevitável da devastação dos sistemas vivos.

Essa narrativa mítica associada ao enfeitiçamento pela cidade e indústria e à terceirização das soluções para os problemas criamos para a tecnologia são obstáculos à era ecológica que não podem ser negligenciados.

O enfeitiçamento pela cidade, indústria e tecnologia

Uma sociedade a base de consumo industrial é insustentável. E diante dela não podemos mais permanecer como observadores apáticos. Para redesenhar a nossa presença na Terra devemos nos tornar expressão funcional do mundo antes observado. Isso só poderá ser feito quando incorporarmos o papel indispensável e intransferível de agentes de transformação a serviço da meta de Gaia, ou seja, a serviço da sustentação das condições necessárias para que a vida prospere no planeta.

Antes da consolidação global da modernidade, as comunidades humanas se orientavam através de símbolos psíquicos, relacionamentos humanos e transhumanos (com pedras, plantas, animais, paisagens e espíritos) e estruturas sociais (rituais, hierarquia social, economia agrária etc.) que apresentavam algum nível de comunhão com a vida e com uma presença cósmica. Por necessidade ou não, suas cosmovisões contribuíram para a manutenção saudável da ecologia planetária.

Com o advento da modernidade e da ciência moderna, o mote da vida humana se tornou compreender e controlar as forças da natureza, opor o mundo objetivo à subjetividade e explorar os recursos naturais para fins de consumo.

Assim, a relação “ser humano e Terra” que antes era marcada pela evocação ritual das forças da natureza passou a se dar através do controle da natureza para consumo de bens e energia. A modernidade reivindicou para si credibilidade na medida em que acreditou ter superado superstições de comunidades pré-modernas.

No entanto, o que se vê é que com a era tecnológica, as revoluções energéticas físicas e psíquicas e as transformações sociopolíticas, o realismo científico se tornou propriamente a superstição moderna. A devoção à ciência passou a ter contornos de misticismo e a tecnologia se tornou um pretenso atalho para o paraíso.

O papel crucial dos mitos: a ilusão do paraíso industrial

O abismo que devemos cruzar para a realização da era ecológica tem a ver com o papel crucial dos mitos. É a visão mítica de uma sociedade que desperta as energias necessárias para sustentar o esforço humano que essa visão envolve. A força motriz da ciência não é de ordem científica, assim como da tecnologia não é de ordem tecnológica. A grande dificuldade a ser enfrentada é a força mítica da visão industrial.

É sempre importante frisar que o mundo hoje apresenta mudanças antropogênicas de ordem de grandeza geológica e biológica operacionalizadas pelo poderoso mito da ilusão industrial associado às mais poderosas técnicas de exploração já conhecidas.

A sociedade global, orientada pelo crescimento econômico infinito, sofre de uma patologia cultural: a intoxicação por mito. Estamos viciados no mito do paraíso industrial-tecnológico. E, assim como um viciado em drogas, temos uma fixação psíquica nesse objetivo e só conseguimos pensar na nossa sobrevivência momentânea com a presença indispensável deste paraíso.

Vivemos hoje uma abstinência em escala cultural global. A nossa cura está em atravessar a agonia da abstinência reconhecendo, assim como uma pessoa viciada em drogas, que a droga não traz se não uma felicidade ilusória e momentânea.

O redirecionamento psíquico da ilusão industrial para uma visão ecológica que incorpore a dimensão mítica da Terra para captar o sagrado é, portanto, pré-requisito para se criar uma economia sustentável. E a mística da Terra deve ter lastro na região biocultural e nas culturas biorregionais para se fazer frente à mítica global da indústria e tecnologia.

O desenvolvimento humano pressupõe o desenvolvimento de toda a Terra

A expectativa do século é podermos resistir em um mundo natural desolado. Só em um mundo natural viável é que se pode ter um mundo humano viável. Esses dois mundos não devem ser mundos separados. O mundo natural deve ser propriamente o mundo humano e vice-versa. Por isso, a era ecológica se compromete com uma visão de desenvolvimento que inclua as comunidades humanas dentro dos limites da estrutura e do funcionamento da Terra.

A salvaguarda da Terra cabe à Terra. A Terra será capaz de resolver os seus próprios problemas, através de nós, se a deixarmos funcionar a seu próprio modo. Isso será possível quando formos capazes de ouvir o que ela está nos dizendo.

Através dos novos conhecimentos e novas capacidades humanas, devemos dar respostas adequadas à força inteligente que dirige o processo evolucionário do cosmos e de Gaia. Nós não podemos controlar todos os processos da vida, mas podemos escolher deliberadamente agir em cooperação com a força que dirige a vida em prol da evolução cósmica, terrena e humana.

Um bom caminho para isso é constatar os feitos humanos à Terra, percebê-la como organismo vivo, se encantar por ela, alimentar a força mítica da visão ecológica para a superação da força mítica da ilusão do paraíso industrial-tecnológico e incorporar o papel da humanidade como veículo da inteligência de Gaia.

Referências

Berry, Thomas. O sonho da Terra. Petrópolis: Vozes, 1991.

Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

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