Mudanças no entendimento sobre a sustentabilidade — equilíbrio, resiliência e coevolução

Deixar claro como um projeto ou organização entende a sustentabilidade possibilita a definição de estratégias e metas adequadas.

Muito se fala sobre sustentabilidade, mas pouco sobre o que realmente queremos dizer com isso. O significado deste conceito está em evolução. À medida que interagimos com a realidade complexa e viva do mundo e incorporamos contribuições de ciências emergentes — como a teoria dos sistemas vivos, pensamento sistêmico e complexidade — aprofundamos e evoluímos o conceito.

É possível discernir três fases sobrepostas na evolução do conceito de sustentabilidade. Cada uma contribui para o entendimento da fase seguinte e tem uma importância particular.

Equilíbrio

Inicialmente, a sustentabilidade foi entendida como um estado fixo de equilíbrio. Neste cenário existem estados constantes de organização desejáveis para sistemas sócio-ecológicos. Assim, fundamenta-se a crença de que se os seres humanos podem manter este estado fixo, então é possível prosperar para sempre, gerações após gerações.

Grande parte das abordagens em sustentabilidade das últimas décadas foram baseadas nessa visão, uma perspectiva que busca descobrir qual o impacto máximo que podemos gerar antes de romper com o equilíbrio. Esta forma de pensar reflete a famosa definição do relatório de Brundtland (1987), que diz que o “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”, ou seja, sem afetar o equilíbrio ambiental.

As estratégias de design que refletem este pensamento, muito presente na arquitetura verde, têm como meta o aumento da eficiência e a minimização dos impactos negativos e dos recursos utilizados. Ou seja, buscam uma melhoria relativa, corresponde à ideia de “fazer menos mal”.

Com o avanço tecnológico e a popularização de tecnologias verdes surgiu uma meta mais audaciosa, a neutralidade ou net-zero. Isto é, iniciativas que não causam efeito negativo em seu ambiente e que geram a sua própria energia limpa.

Na mesma linha evolutiva, percebeu-se que deixar de impactar negativamente não corrige os danos gerados no passado. Assim, foi articulado um novo objetivo, o net-positive ou “impacto positivo”, que busca ter como resultado das atividades humanas um excedente energético e uma potencialização das funções ecossistêmicas locais.

Não há dúvidas sobre a importante contribuição desta abordagem para frear a degeneração da biosfera. Ao mesmo tempo, a ciência dos sistemas vivos têm nos mostrado que ter como objetivo um estado fixo de equilíbrio em um mundo vivo é tecnicamente e filosoficamente impossível.

Sistemas vivos simplesmente não existem em estados de equilíbrio. Eles sobrevivem ao mudar, ao se adaptar, buscando um equilíbrio dinâmico dentro dos seus ambientes em evolução.

“Biologicamente, a vida não é a manutenção ou restauração do equilíbrio mas essencialmente a manutenção do desequilíbrio… Alcançar o equilíbrio significa a morte e consequentemente decaimento… Um organismo vivo torna-se um corpo em decomposição quando as forças e tensões que o forçam fora do equilíbrio cessarem.” — Ludwig von Bertalanffy

Sistemas vivos necessitam de perturbações para manterem-se vivos. Perceba uma floresta, visualize a Amazônia vista de um avião. Aquela mancha verde pode parecer constante, em equilíbrio, mas o que ocorre são ciclos incessantes de morte e renascimento. Vento, fogo, enchentes, animais… todos gerando perturbações cruciais para que o ecossistema continue se renovando e evoluindo.

Resiliência

A percepção de que sistemas vivos operam fora do equilíbrio fundamentou a segunda fase na evolução do conceito de sustentabilidade em que esta é vista como resiliência. Diante de uma perturbação, o sistema pode evoluir ou pode se degenerar. A resiliência pode ser entendida, então, como a capacidade de um sistema se manter saudável frente a um distúrbio.

O design para a resiliência busca aumentar a capacidade dos sistemas sócio-ecológicos em manterem-se saudáveis frente a mudanças inesperadas. Esta abordagem reconhece que a mudança é não-linear e que emerge de uma rede complexa de relacionamentos. Frente a essas mudanças, organismos vivos se sustentam através de constantes adaptações ao seu ambiente.

“Humanos e ecossistemas são interdependentes, e a resiliência de uma comunidade humana depende da resiliência das comunidades naturais das quais somos dependentes.” — Haggard e Mang

A ocorrência de desastres naturais e a discussão sobre as mudanças climáticas tornou o conceito de resiliência mais evidente. Assim, chegou-se a essa nova definição de sustentabilidade que não está baseada em alcançar um estado de equilíbrio mas em ser capaz de reagir e seguir evoluindo frente a eventos de ruptura.

Entretanto, esta abordagem nasce da metáfora de um mundo caótico e pode resultar em uma perigosa luta por prevenção e controle. Neste mundo, a política e a economia são defensivas. Esta mentalidade pode ser exemplificada pela construção de barreiras litorâneas de concreto que possuem o objetivo de salvar centros urbanos do aumento do nível do mar. Ironicamente, esta mentalidade pode contribuir para a instabilidade já que a integridade do sistema maior é sacrificada pelas necessidades locais imediatas.

Do mesmo modo, barreiras de contenção em planícies de inundação ao longo de rios, não raro ocupadas em centros urbanos, podem contribuir severamente para o agravamento das enchentes em outros locais pois a principal função destas áreas, acolher as águas e amortecer as cheias, deixou de ser realizada.

Coevolução

Na terceira fase a sustentabilidade é entendida como coevolução. Os seres humanos são vistos como potenciais contribuidores para a abundância da vida. Deste modo a presença humana na Terra passa a ter a capacidade de gerar mais abundância e condições propícias à vida do que seria possível sem ela. A mudança crucial é a superação da separação entre natureza e cultura.

Comunidades humanas sempre foram capazes de prosperar ao trabalhar em parceria com os sistemas naturais. Aos poucos estamos redescobrindo esta verdade fundamental e imaginando formas de aplicá-la em direção a uma era pós-industrial. Da perspectiva da coevolução, em vez de sermos intrusos, nós humanos possuímos um papel gerador de valor singular a desempenhar na teia da vida.

Por muito tempo pensou-se na amazônia como um grande ecossistema intocado e nas populações indígenas como coletores usufruindo passivamente dos recursos florestais. Estudos etnográficos, no entanto, chegaram em um consenso de que o que era considerado floresta intocada, é, na verdade, floresta plantada e manejada. Estas são chamadas de florestas antrópicas ou culturais.

Por milhares de anos os povos ameríndios desempenham um papel crucial na evolução da Amazônia. São seres participantes atentos e entendedores da dinâmica do organismo florestal capazes de realizar contribuições positivas singulares. Reconectar comunidades humanas e naturais nos permite buscar o mesmo tipo de abundância e incorporar avanços e visões do século XXI.

Realizar uma parceria para a coevolução requer uma reorientação sistêmica que conecte as atividades humanas com a evolução dos sistemas naturais. Para isso é preciso parar de projetar “coisas”, elementos isolados, e passar a potencializar a capacidade do ambiente construído e das atividades humanas de catalisar a coevolução positiva dos seres humanos e do “mundo natural”.

Por exemplo, os rios que foram transformados em canais e agora geram problemas de enchente podem ser envolvidos em um processo de coevolução. A reconfiguração do canal em um curso em meandros, a volta de cascatas e poços, a recuperação das matas de galeria e a construção de um parque linear que libera as planícies de inundação como áreas de lazer resolvem ou contribuem muito para a solução do problema.

Essa parceria implica ganhos sistêmicos. A despoluição gera ganhos para a saúde e a revitalização transforma o espaço em locais educativos e de convivência que, por sua vez, estreita os laços da comunidade e gera ganhos sociais e econômicos. O ecossistema ganha, a sociedade ganha, a economia ganha, todos ganham. Esse é o resultado de uma boa parceria, esse é o significado de coevolução mutualística.

Referência

MANG, P; HAGGARD, B. Regenerative Development and Design: A Framework for Evolving Sustainability. Wiley, 2016.

 


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Posted by Felipe Tavares

Trabalho para conciliar o desenvolvimento social com a inteligência dos sistemas vivos. Acredito que a sustentabilidade começa com uma mudança de pensamento e não de técnicas.

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