É sobre uma postura, mais do que uma teoria

Foto: Erik Karits

De modo geral, a fenomenologia é o estudo dos fenômenos; e fenômeno é aquilo que se apresenta à consciência humana. Desdobrando essas definições, temos que a fenomenologia é o estudo da atuação da consciência na relação com o que se apresenta a ela.

Com raízes no pensamento filosófico, ela é considerada uma metodologia que enfatiza a importância da ideia de fenômeno ao considerar que tudo que podemos saber do mundo e de nós mesmos resume-se a esses fenômenos.

Edmund Husserl, considerado o pai da fenomenologia, tomou como premissa a ideia de que “toda consciência é uma consciência de algo”. Isso quer dizer que o que aparece à consciência aparece não de forma abstrata, mas em uma relação entre o sujeito que conhece e aquilo que é conhecido.

Aqui, diferente de outras perspectivas filosóficas, não se trata de uma consciência assimiladora e acumuladora, e sim de uma consciência intencional e de um processo relacional de tomada de consciência. Nesse sentido, não há como separar sujeito e objeto, interioridade de exterioridade. A ideia de fenômeno os integra; o que acessamos na consciência é a integração deles (o próprio fenômeno).

Sendo assim, um fenômeno, qualquer que seja, não está dado/pronto/finalizado, mas, ao contrário, sempre em processo e relação. Nessa relação é de suma importância os processos de percepção, observação e significação — em que perceber é ser apresentado a algo por meio dos sentidos, observar é estar consciente deste algo e deste eu que observa e significar é fazer sentido do que foi percebido e observado.

O estudo da fenomenologia torna evidente para nós que os processos de perceber, observar e fazer sentido são tão próximos que quase somos incapazes de separá-los e distingui-los. Como efeito, o sentido que estamos fazendo daquilo que vivenciamos torna-se invisível no nosso cotidiano. O saber e o fazer fenomenológico estão em destrinchar esses processos de modo que possamos tomar consciência do modo como percebemos, observamos e atribuímos significado àquilo com que nos relacionamos.

Johann Wolfgang von Goethe fez incríveis contribuições ao que hoje chamamos de abordagem fenomenológica. Se Husserl é considerado o pai da fenomenologia, Goethe talvez seja o seu avô. Mais antigo do que Husserl (1859-1938), Goethe (1749-1832) foi um excepcional artista e cientista. Ele via e praticava a ciência natural como um empreendimento participativo, um diálogo em evolução entre o ser humano e a natureza.

A irreverência (considerando os padrões científicos da época) da sua proposta é impressionante. Mais do que considerar a inseparabilidade do sujeito e do objeto no ato de conhecer, ele mostrou possível um diálogo entre a interioridade do sujeito (sua consciência) e a interioridade do objeto (sua essência).

Ele desenvolveu um modo de fazer ciência que reconhece a manifestação do espírito na matéria, que reconhece que o mundo sensível é também um fenômeno supra-sensível, de modo a abrir caminhos para que hoje possamos nos desenvolver para que níveis não evidentes da realidade se tornem passíveis de serem revelados em nossa consciência.

A forma de observar fenômenos naturais de Goethe tomava o observar como o processo através do qual tudo que é informado pelos sentidos é metamorfoseado em uma experiência de consciência. Inclusive, a palavra metamorfose é de sua autoria e surge em resposta ao seu encantamento diante a mudança de forma vista nos fenômenos da natureza.

A ciência de Goethe nos convida a aprender a ser um sujeito que entra em diálogo com o objeto de conhecimento, a nos responsabilizar por aquilo que acontece na nossa consciência e a nos transformar na interação com os fenômenos observados. Ele percebeu que diferentes fenômenos manifestam qualidades distintas de complexidade, e que precisamos nos transformar para entrar em sintonia com o nível de manifestação do que é observado.

Parafraseando Goethe, se queremos compreender a natureza, precisamos nos tornar tão flexíveis e móveis quanto ela. Para observar algo vivo e em constante transformação, algo tem que ser transformado em nós. E o que em nós e a nossa volta não expressam as propriedades da mudança e da impermanência? Se o mundo é vivo, bem como o são nossas experiências e relações, o pré-requisito para compreendê-los é a nossa metamorfose na interação com eles.

A perspectiva fenomenológica é mais uma postura do que uma teoria. É uma forma de acolher as manifestações únicas do que nos chega à percepção. É suspender nossas ideias a priori e avaliações prematuras das coisas e valorizar a relação através da qual elas podem se revelar a nós de novas e impensáveis maneiras.

O pulso da fenomenologia começa com uma atitude de calma, em que não saímos dizendo o que algo é ou não é, em que não nomeamos/qualificamos/classificamos precipitadamente, de modo a criar condições de perceber o que este algo é em sua integralidade e essência e como veio a ser como é através dos seus processos de desenvolvimento e transformação.

O fazer fenomenológico habita o espaço entre a inspiração do mundo e a expiração do sentido do mundo, entre a percepção e a cognição. Pausar neste espaço nos possibilita adentrar o fenômeno. Neste espaço podemos exercitar um pensar intencional capaz de estabelecer a conexão entre este eu que busca conhecer para melhor intervir e o fenômeno observado que busca ser conhecido para se revelar e informar como a nossa participação pode contribuir para o seu desdobrar evolutivo.

“A questão não é para o que você olha, mas como você olha e se você vê.” — Henry David Thoreau

 

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Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

1 comment

Tânia Helena Alvares

Maravilhoso o texto Ju. Parabéns!!!

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