Uma pessoa é rica em proporção às coisas que pode dispensar

O mundo a nossa volta nos ensina a perseguir a felicidade da infância até a velhice. Ele diz que felicidade é sinônimo de sucesso. E oferece um protocolo de sucesso específico. Carreira progressiva e próspera, relacionamentos estáveis e família saudável, patrimônio e segurança financeira, um grau de conforto material que esbarra a ostentação e, ainda, diversão, aventura, novidade e mais e mais e mais.

Acima de tudo, ele garante a felicidade para aqueles que criam as condições materiais necessárias para atender o máximo de desejos possível.

No entanto, estudos sobre a relação entre o PIB e a felicidade da população estadunidense demonstram que depois que necessidades materiais básicas são garantidas o crescimento econômico não confere necessariamente mais bem-estar à população.

Contraditoriamente, os índices crescentes de depressão e suicídio mostram que perseguir esse ideal de felicidade gera infelicidade. Quanto mais as pessoas se aproximam do sucesso objetivamente mais elas se sentem sem esperança, sozinhas e depressivas. Ironicamente, em um mundo em que ser feliz virou uma obsessão, nos sentimos mais insatisfeitos do que nunca. 

Afinal, o que queremos não são coisas ou situações em si, mas o que essas coisas e situações, a partir dos nossos sistemas de crença, prometem nos fazer sentir.

Todos nós, em algum momento da vida, sentimos um vazio desesperador ao tentar cumprir ou mesmo já tendo cumprindo o roteiro de sucesso da modernidade. Podemos assumir isso com a tranquilidade de que essa não é uma falha particular. Infelizmente, estamos acostumados a patologizar o indivíduo quando o que nos adoece tem as suas causas relacionadas a uma dinâmica social patológica e vieses ideológicos submersos no inconsciente coletivo.

O que promove o desespero associado à sensação de vazio não é a falta de felicidade, mas uma sensação estranha de que falta sentido e significado na vida. Sabemos e sentimos que há mais na vida do que ser feliz quando ser feliz está associado a cumprir um protocolo de sucesso que, ao satisfazer desejos autocentrados, nos desconecta da vida e nos desengaja no envolvimento nu, cru e real com a essência das experiências cotidianas.

Há uma diferença significativa entre ser feliz e encontrar sentido na vida. O psicólogo positivo Martin Seligman define a felicidade como um estado de tranquilidade e bem estar momentâneo enquanto explica o sentido ou significado como a sensação de pertencer a algo maior do que nós mesmos que nos leva a querer desenvolver a nós mesmos para sermos capazes de melhor servir. 

Comumente, a profissão se torna a maneira como nós resolvemos contribuir e nos sentir necessários ao mundo. No entanto, Emily Esfahani, autora do livro O poder do sentido, diz que não precisamos encontrar propósito e significado especificamente no trabalho. 

O que quer que façamos com um sentido de serviço nos dá uma razão para viver que dirige o nosso caminhar. 

Ela alerta que o sentido da vida não é encontrado nem na concretização do roteiro de sucesso globalizado nem em um propósito extraordinário, e também que ele não tem a ver com uma conotação esotérica ou espiritualmente reveladora. Ao contrário, o significado da vida se manifesta nos atos diários de autodoação. 

Dessa forma, as vidas mais significativas não são as extraordinárias, mas aquelas vividas com dignidade por pessoas comuns que têm o desejo de contribuir para algo que importa e que acontece nas — aparentemente — insignificantes experiências diárias com as pessoas imediatamente próximas.

A maioria de nós — independente do quão conformistas ou contraculturais — não alcançará os objetivos megalomaníacos estabelecidos para si. Embora essa afirmação soe um atestado de mediocridade, ela é a nossa alforria diante uma mente incessantemente desejante e frente à submissão cega do contentamento às circunstâncias ideais que as nossas fixações mentais nos levam a perseguir.

Saber que a busca por sentido não envolve nenhuma outra condição que a de termos um círculo de pessoas cujas vidas podemos tocar e afetar positivamente, em vez de uma declaração de incapacidade, é um lançamento à potência e à liberdade ilimitadas. Todos nós temos essa oportunidade e podemos a partir dela encontrar o significado que nos faz vivos, inteiros e preenchidos. 

Apesar da nossa cultura ser obcecada em felicidade e vitórias, procurar por sentido, valorizar o singelo, celebrar o simples e desistir de conquistar algo lá fora é um caminho que traz mais realização e, ironicamente, nos aproxima — sem forçar, pesar e limitar — das circunstâncias externas que combinam com as nossas aspirações mais genuínas.

“Riqueza é a capacidade de experimentar a vida plenamente. […] Um homem é rico em proporção às coisas que pode dispensar.” — Henry David Thoreau

Foto: Outono no Lago Walden, onde viveu Thoreau, por Toby McGuire

Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

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