Criatividade

O processo criativo envolve a reconciliação de muitos paradoxos: ação e espera, controle e renúncia, comprometimento total e ausência de esforço, tomada súbita de consciência e suavidade no fazer. A criatividade é a ação através da inação. Não é o ato de fazer em si, mas de permitir que algo ocorra por intermédio. É sustentar um estado relaxado e receptivo, e ser passagem.

Criativo é sinônimo de novo. Só é possível acessar o novo desarmando-se frente o desconhecido. A criatividade não é a composição ou reordenação do velho, mas a manifestação do até então impensável — do encontro do conhecido com o desconhecido. Rollo May, no livro A coragem de criar, diz que a coragem criativa é a descoberta de novas formas, símbolos, padrões e narrativas segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída. 

Nesse sentido, a necessidade de coragem criativa nas pessoas é proporcional ao grau de mudança que é necessária ao mundo. Ela é alimentada pela fúria contra a injustiça presente na sociedade. As pessoas criativas são rebeldes porque se revoltam contra a disfuncionalidade do status quo e não se rendem ao script de sucesso que lhes é oferecido. Elas sabem que o novo costuma ser rejeitado, que a humanidade é letárgica e que elas estão a frente do seu tempo. 

As pessoas corajosamente criativas levam a sério suas visões interiores e expressam o que é sonhado pela maioria. É como se elas tivessem um passe livre no inconsciente coletivo que as tornam mensageiras de avisos antecipados do que está acontecendo em dada sociedade. Elas expressam o significado espiritual de uma cultura. São os criadores da consciência não-criada da cultura. Eternamente insatisfeitas com o que está dado, estão nos conduzindo sempre a novos mundos.

A criatividade tem uma relação direta com a arte de sonhar. A transição de eras históricas ocorreu porque o ser humano as sonhou. Mas, comumente, a criatividade é associada a psicopatologias. Isso acontece porque ela faz parte do universo de pessoas que não se adaptam à cultura em que vivem e que alargam, enfrentando a visão de mundo dominante, as fronteiras da consciência humana. 

Ao contrário de doença, a criatividade é a manifestação básica do ser humano saudável realizando sua individualidade no mundo. O processo criativo deve ser visto como a representação do mais alto grau de saúde emocional e expressão da essência humana engajada em dar vida à própria realidade. A criatividade é uma forma de rebeldia desejável porque para criar é preciso livrar-se dos condicionamentos e resolver-se com a própria individualidade. Não se pode ser criativo estando refém da psicologia das massas. 

As noções de extravagância e excentricidade só existem e são relacionadas às pessoas criativas porque vivemos em uma sociedade ortodoxa. Uma sociedade será sadia quando cada pessoa for respeitada em sua rebeldia e se sentir à vontade com sua “excentricidade”. Rudolf Steiner disse que à medida que o ser humano torna-se humano, ele caminha para se tornar um “ser da liberdade”. A liberdade é a essência do ser humano. E a criatividade é a essência da liberdade. É da natureza do eu autêntico criar e expressar-se em liberdade.

As pessoas comprometidas com a criatividade caminham em direção ao abandono de motivações que não sejam fazer o que fazem pelo valor intrínseco do que é feito e pelo amor ao fazer. Amar o que se faz é possível quando a ação nasce da liberdade. Quando isso acontece, a ação silencia o ego delirante e o crítico interno e se torna uma ponte entre o imanente e o transcendente — entre o mundo cotidiano e a experiência do sagrado. É a arte de amar o que se faz e ter prazer em fazê-lo que nos levará a um mundo melhor.

“Há quem diga que são os sonhos dos homens que sustentam o mundo na sua órbita.” — Carl Gustav Jung

Foto: Jr Korpa

Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

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