Auto-observação e auto-lembrança

Coevolução newsletter #8

Em uma de suas aulas sobre design informado por sistemas integrais e sistemas vivos, Bill Reed disse que a nossa existência se dá de três maneiras: automática, reativa ou intencional. Para a triste surpresa dos ouvintes, ele disse que “mesmo os grandes místicos foram intencionais e propositivos apenas 20% de suas vidas”.

O porquê dele falar sobre isso em uma aula sobre regeneração se deve ao fato de que sem intencionalidade e revisão de propósito não é possível construir uma mente que percebe como os padrões de vida se expressam nos encontros, projetos e paisagens e, assim, tampouco é possível regenerar a vida e os significados destes contextos.

Para uma aproximação da prática regenerativa, junto à alfabetização em como totalidades e sistemas vivos funcionam, é preciso estar em dia com a prática de perceber como se percebe, suspender padrões automáticos de pensamento e remodelar o próprio estado de ser. O Regenesis chamou essa prática de auto-observação e auto-lembrança.

Auto-observação

O exercício da auto-observação mantém consciente o próprio estado de ser (físico-emocional-mental), como ele foi criado e a influência que ele está tendo no próprio comportamento e no ambiente. É sobre perceber o eu que estamos trazendo para cada evento ou interação, consciente ou inconscientemente.

Ao realizá-lo, observamos o quanto hábitos inconscientes e padrões mecânicos ditam nosso comportamento. Consequentemente, com a prática, ele funciona como um lembrete de que podemos escolher nosso estado de ser e que há outras opções além de apenas reagir ao que está acontecendo.

Sustentar essa consciência ou recuperá-la quando for perdida requer vontade e disciplina mental. É fácil entender sua importância e falar sobre isso, mas é difícil fazer. Bem dito pelo Regenesis, não só não é fácil fazer como é ainda mais difícil nos momentos em que é particularmente necessário.

Quando somos provocados por um desafio inesperado ou resposta indesejada de algo com que estamos envolvidos, é fácil sermos pegos pela crítica ao outro e pela terceirização da responsabilidade. Como efeito de ter nossa atenção capturada pelo comportamento alheio, nos tornamos reativos. Nessas condições, só conseguimos detectar o problema, um potencial não realizado, um ponto estratégico de intervenção ou o impacto da nossa participação no desfecho das experiências depois que elas terminam, quando é tarde demais.

Auto-lembrança

Se a auto-observação é sobre acordar a nós mesmos para ver o eu que estamos levando às experiências — sobre quem estamos sendo e seus efeitos — a auto-lembrança é sobre ser proativo em relação ao próprio estado. Em outras palavras, auto-lembrança é recobrar o eu que queremos ser e trazê-lo à existência no lugar do eu habitual que geralmente aparece, especialmente em momentos de tensão. Dessa forma, o engajamento com a auto-lembrança depende da prática da auto-observação.

Pamela Mang e Ben Haggard disseram que “temos um alcance de expressão muito maior do que nós geralmente percebemos ou estamos dispostos a admitir”. Esse reconhecimento implica manter em mente o eu que é requerido em uma dada situação para gerar um resultado de ordem superior. Com isso, eles querem dizer que podemos conscientemente escolher assumir um papel que é específico para nosso contexto e propósito e usá-lo em função de realizar um potencial que percebemos.

Podemos começar a praticar a auto-lembrança ao nos perguntar, antes de um encontro importante ou em uma situação de estresse, quem precisamos ser. Essa simples pergunta pode fazer toda diferença em nossa habilidade, individual e coletiva, de manter um estado de ser estável que possibilite desfechos positivos mesmo para situações perturbadoras e supostamente irreversíveis.

Abraçando a complexidade

As práticas inter-relacionadas de auto-observação e auto-lembrança aprimoram o gerenciamento do próprio ser porque ajudam a evitar reatividade que obscurece o que é realmente importante.

Elas requerem a atuação coordenada de três eus — o eu-que-observa, o eu-que-estabelece-objetivos e o eu-que-faz. O eu-que-observa está atento aos padrões de comportamento e como eles estão relacionados ao efeito que está sendo gerado. O trabalho do eu-que-observa fornece informações valiosas que o eu-que-estabelece-objetivos pode usar para reorientar as rotas e ajustar condutas a fim de ajudar o eu-que-faz a concretizar o valor que está tentando gerar.

Talvez isso soe complexo demais e impraticável em uma vida cotidiana permeada por circunstâncias que nos tiram do nosso centro de estabilidade. Mas trabalhar criativamente com a complexidade do próprio ser é tanto mais simples quanto indispensável se quisermos considerar a natureza complexa e paradoxal dos sistemas integrais, vivos e evolutivos que são as pessoas, empresas, instituições e territórios com que nos relacionamos pessoal e profissionalmente.

Certamente, aprender a sustentar auto-observação e auto-lembrança leva tempo e disciplina — o tempo e a disciplina que o imediatismo moderno quer substituir com as soluções instantâneas, simplistas e inefetivas que aprofundam os problemas e ampliam os danos. Um dos princípios da regeneração é trabalhar de forma desenvolvimental em parceria com o tempo e o esforço e não contra eles, fortalecendo a vontade e recebendo nutrição dos processos de mudança e não da expectativa de resultados imediatos.

Nesse caminhar, é fácil ser pego pelo drama do momento e perder-se de si mesmo. Os aliados que pegam nas nossas mãos e nos ajudam a retomar o caminho da ação intencional são a paciência e a compaixão. Com eles, somos capazes de observar sem julgar duramente e de acordar cada vez que esquecemos. O esquecimento é um estágio normal do processo de aprendizagem do qual não podemos nos esquivar, mas no qual não podemos paralisar. Precisamos reconhecê-lo quando se fizer presente e seguir adiante.

Para começar a praticar

Traga à mente uma situação que teve um desfecho indesejado onde a sua participação contribuiu para esse desfecho.

Faça essa intenção e deixe que a imagem surja até você.

Observe a situação de forma descritiva não-analítica como se você estivesse assistindo a um filme.

Observe a sua participação na situação: seus gestos, ações, atitudes, padrão de comportamento; o estado de ser e motivações subjacentes de onde surgiram; o efeito deles no ambiente e no desfecho da situação.

Faça uma pausa. Solte a imagem. Respire fundo.

Voltei à situação no momento em que ela começou a se configurar.

Imagine que você, em um determinado momento, percebendo o efeito que seu estado de ser gerava, fez a intenção de ajustá-lo ou mudá-lo de modo a contribuir para um desfecho evolutivo da situação, para que ela realizasse seu melhor potencial.

Perceba quais novas possibilidades de desfecho surgem a partir do novo estado de ser que você ancora e, talvez, de um novo papel que você escolheu desempenhar.

Pratique mais…

Pratique mais e mais até que você aprenda a ver os processos através dos quais um pensamento é moldado e um estado de ser é ancorado enquanto o pensamento está se formando e o estado de ser está surgindo.

Interromper padrões disfuncionais, reorientar rotas e modelar campos de energia são habilidades fundamentais para gerar padrões de saúde à nossa volta. Esse exercício nos ajuda a desenvolvê-las em primeira pessoa.

Eu ficarei feliz se você quiser compartilhar comigo suas impressões e aprendizados a partir do exercício. É só responder este email.

Dois convites

Observar o próprio pensamento enquanto ele está acontecendo requer engajamento contínuo. Ao longo do mês de maio, nós vamos nos engajar nessa e em outras práticas através do workshop Atributos do Praticante Regenerativo no Círculo. Te convido a juntar-se a nós. Para participar é só se inscrever na comunidade.

Amanhã (26/04/2021) eu facilitarei a aula aberta Um caminho estruturado para a prática regenerativa. Vou falar sobre um conjunto de princípios e instrumentos do paradigma regenerativo. Pode ser um conteúdo muito interessante se você quer se aprofundar no aprendizado conceitual e prático da regeneração. Inscreva-se aqui.

 


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Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

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