Uma reverência ao tradicional Vision Quest, uma súplica à cerimonialização da vida
Desde sempre o ser humano busca a solidão em paisagens naturais para compreender a si mesmo, encontrar força para atravessar desafios e caminhar com integridade pela vida. Mas, embora retirar-se na natureza em busca de visão seja uma prática tão antiga quanto a própria humanidade, o tradicional Vision Quest faz parte de contextos culturais singulares.
Vision Quest é uma expressão cunhada no século XIX por antropólogos para descrever jornadas espirituais de tradições étnicas cujos territórios foram colonialmente incorporados na atual América do Norte e, especificamente, nos Estados Unidos e Canadá. As Nações Indígenas Siksika, Cree, Anishinaabe e Inuit são algumas daquelas que, mesmo sendo violentamente desencorajadas ou impedidas por políticas nacionais, persistem realizando o Vision Quest e outras cerimônias enraizadas na etnicidade.
Em linhas gerais, o Vision Quest é praticado como um rito de passagem no qual os participantes recebem orientação e apoio do mundo espiritual. A vivência milenar deste rito entre os povos que o praticam reforça o lugar da espiritualidade, da cerimônia e do pensar contemplativo nas cosmovisões e hábitos de existência indígenas.
“Entre algumas culturas anishinaabe, o ‘dream-fast’ é considerado crucial para o destino de um indivíduo. Acredita-se que os visitantes dos sonhos (pawáganak) estabeleçam um relacionamento com o participante durante a busca e sirvam de guia para essa pessoa pelo resto da vida. Da mesma forma, entre os Inuit, os curandeiros e xamãs da comunidade (angakkuit) historicamente empreenderam as missões de visão como um evento significativo em seu caminho para a iluminação espiritual. Entre os Omushkego (povo Swampy Cree), os xamãs (conhecidos como mitew) obtêm poderes através de ‘dream-visions’ como a capacidade de mudar de forma e viajar para fora do corpo” (Amanda Robinson, 2018).
Para o povo Lakota, a palavra hamblechey corresponde à expressão “chorando por uma visão” e define os retiros de caráter individual nos quais ocorre a iniciação de um xamã. A pessoa que recebe o chamado para tornar-se xamã é enviada a um local de poder para jejuar, orar e pedir por visão durante alguns dias. Ela busca por orientação espiritual sobre como deve ser a sua passagem pela vida e sobre quais ensinamentos deve obter para se tornar um xamã. As orientações recebidas na forma da visão revelada tornam-se o emblema pessoal do xamã que, ao longo da vida, é impresso em tudo o que ele faz e é incorporado, acima de tudo, na medicina que oferta.
Na tradição do povo Ojibwa, o Vision Quest é um ritual de passagem onde o espírito do ser encontrado em uma visão — comumente um espírito animal — determina a filiação social da pessoa de modo que só depois de concluir com sucesso o Vision Quest é que se recebe o nome de adulto e se é reconhecido como tal. Há um ditado ojibwa que diz que “nenhum homem começa a existir até ter a sua visão”. E não há garantias de que a visão aconteça. Nesse caso, a decepção deve ser assumida como um convite à persistência e ao comprometimento com o que se busca.
A cooptação moderna
Em uma qualificação simplória pode-se dizer que nas jornadas de busca de visão as pessoas viajam a locais distantes, jejuam e fazem caminhadas solitárias por dias em busca de interiorização e alinhamento com forças espirituais. O efeito dessas peregrinações é o nascimento de uma visão sobre quem são e sobre o papel que devem desempenhar em suas comunidades. Sejam de algumas horas ou de muitos dias, essas jornadas dizem respeito a um tempo-espaço de conexão consigo, com as forças da natureza e com o Grande Mistério.
Hoje, no Ocidente, muitas pessoas e instituições oferecem, com fins lucrativos, um serviço chamado Vision Quest a partir da incorporação descuidada da dimensão prática dessas jornadas dissociada de suas origens e fundamentos étnico-culturais. Embora não-intencionalmente, quando retirada de seus contextos originários e realizada como turismo espiritual, o Vision Quest caricaturiza e folcloriza a complexidade cultural dos povos que o praticam. Essa combinação — não-intencionalidade, interesse econômico e apropriação cultural descontextualizada — é, aliás, a marca da colonialidade persistente na ocidentalização globalizante do mundo.
A prática de retirar-se
“Acredito que nos nossos dias a alternância entre a cidade e a montanha requer do indivíduo a capacidade para viver a solidão. É preciso se afastar de um mundo por demais presente, de viver com a quietude, deixando que a solidão trabalhe em nós e por nós.”
— Rollo May
Ainda que caminhadas solitárias em lugares sagrados e de difícil acesso acompanhadas de jejum onde é colocada à prova a capacidade de sobrevivência e força espiritual sejam marcas do Vision Quest, há muitas formas de realizar uma busca de visão diferentes desta. Obviamente, nem toda busca por visão, orientação espiritual e inspiração solitária imersiva na natureza se caracteriza como um Vision Quest ou prática de (des)apropriação cultural.
Movimentos de retirada do mundo cotidiano para o silenciamento interior e vinculação sensorial e espiritual com a natureza é uma prática salutar e altamente recomendada para nós, cidadãos globais, sintomáticos de falta de natureza e de superestímulo neurossensorial. Além de restabelecer o vínculo com a T(terra) e aliviar a sobrecarga de informação cognitiva, esses momentos nos permitem uma mirada panorâmica da condição presente e uma perspectiva em retrospecto da nossa vida cujo efeito é o entendimento do porquê e como estamos criando a realidade vivenciada.
O descolamento do pensar cotidiano e a interação visceral com as forças da natureza nos abre ao mistério e nos coloca em conversa com a vida. Isso pode se dar através de aventuras em cenários montanhosos, trekkings em paisagens naturais, caminhadas em parques urbanos, retiros de silêncio ou mesmo em um entardecer solitário.
Reintroduzir práticas cerimoniais — onde é criado um espaço de reconexão com o sagrado — como essas em uma sociedade carente delas não a torna dependente da imitação ou importação das tradições de outros povos. Vivenciar cerimônias nativas na presença dos seus guardiões, reverenciar a sua sabedoria e aprender com eles sobre o viver talvez seja um ressarcimento atual de uma dívida histórica e, portanto, parte da cura do mundo. No entanto, nós não precisamos e, a menos que sejamos convocados e orientados por eles mesmos, não é desejável que as incorporemos em nosso cotidiano. Ao fazê-lo, certamente, cometeríamos equívocos práticos e éticos que as transformariam em qualquer coisa diferente do que são.
Charles Eisenstein, no artigo Every act a Ceremony, diz que cerimônias não são criadas e sim descobertas a partir da continuidade experimentada ao fazer de cada singelo ato uma cerimônia sustentada pela presença, atenção, cuidado, delicadeza e devoção. Agora, nós somos convocados a experimentar uma mente cerimonial, a treinar uma percepção celebrativa e a desenvolver as nossas próprias cerimônias de conexão íntima com a essência do Eu, com a natureza e com o mundo sutil a fim de receber visões que nos esclareçam as dádivas que trouxemos para oferendar ao mundo.
Naturalmente, a profundidade das visões recebidas corresponde à intensidade da jornada e do respaldo espiritual invocado — e, reciprocamente, atendido. De todo modo, “chorar” por uma visão, pedir por orientação e se colocar a serviço da saúde pessoal, comunitária e planetária é uma maneira de fortalecer o espírito e o propósito de servir à vida.
A visão
O que faz com que uma visão seja significativa?
Cotidianamente, temos insights. Mas nem toda ótima ideia pode ser considerada uma visão. A visão, no sentido sugerido aqui, tem uma qualidade superior à de um insight ou de um sonho. Ela carrega consigo um sentido inquestionável de autoridade espiritual e se manifesta como imagens que surgem à percepção consciente dissociadas das crenças, conceitos, premissas e suposições do visionário.
Uma visão não nasce da atividade intelectual e de elucubrações teóricas. Além disso, mesmo quando ativamos um nível refinado de percepção que envolve a sensorialidade, a inteligência do coração e estados alterados de consciência, ainda sim, não quer dizer que criamos as condições necessárias para recebê-la.
Ela acontece no encontro, mediado por forças sutis, do consciente com o inconsciente onde, por um momento, temos a chance de conhecer o desconhecido. Esse processo é o desdobramento — o salto evolucionário — de causas promovidas anteriormente. Assim como não se pode forçar uma semente a germinar, a revelação visionária nunca pode ser premeditada. Mas, apesar da revelação não poder ser forçada, a busca da visão pode cultivá-la.
Entre os pré-requisitos para a revelação da visão estão a simultânea interiorização e abertura. Somos desafiados a reconciliar o paradoxo entre fechar-se e abrir-se, aprofundar e ampliar, concentrar e expandir. A interiorização implica atravessar o buraco da agulha onde tudo que é dispensável é abandonado. Objetivos auto-referenciados, desejos auto-centrados, convicções enrijecidas, emoções habituais… nada disso importa. O que é valioso é o núcleo verdadeiro, cru e nu do ser.
A abertura envolve o descondicionamento dos sentidos e a ampliação da percepção para ouvir o silêncio, ver o invisível e tocar o intocável. Abrir-se é colocar-se em conversa com a vida mesmo sem compreender a sua linguagem. É permitir-se encontrar sentido em símbolos desconhecidos. Nenhum alvo deve ser procurado. Nenhum sinal deve ser desprezado.
Desse modo, em uma busca por visão, uma clara intenção deve ser estabelecida no começo da jornada e, então, deve ser esquecida durante o caminhar. A vontade determinada deve ser harmonizada com um estado de espírito relaxado. O único lugar a se chegar é o da observação atenta e da escuta profunda. Um tanto de coragem, humildade, entrega, confiança, reverência e paciência é requerido, ou desenvolvido, nesse processo.
A cerimônia
“A cerimônia define o tom de cada ato e palavra alinhando-os com o que realmente somos, o que queremos ser e o mundo em que queremos viver. A cerimônia oferece um vislumbre de um destino sagrado, um destino em que: Todo ato é uma cerimônia. Toda palavra uma oração. Toda caminhada uma peregrinação. Todo lugar um santuário.”
— Charles Eisenstein
Cerimônias de rito de passagem ricas em significados compartilhados culturalmente são parte do cotidiano dos povos indígenas e populações tradicionais. Elas são o marco de transições e transformações importantes e ajudam as pessoas a tomar posse de seus dons singulares para o seu próprio benefício e para o bem comum.
Elas costumam acontecer em momentos marcantes da biografia humana: no próprio nascimento, no fim da primeira infância, na puberdade, na entrada da fase adulta, no nascimento dos filhos, na incorporação de um novo papel familiar ou social, na entrada da velhice etc. E, em algumas tradições, acontecem também em momentos de crise em que nos foge a saúde ou a lembrança de quem somos, do que realmente importa e de como podemos servir ao mundo.
Propagou-se pela internet um texto poético da ativista pelos direitos humanos Tolba Phanem que descreve como a não-violência e a dignidade humana incondicional — em oposição à estigmatização, condenação e repressão — alicerçam uma cerimônia de origem africana que honra a natureza compassiva do ser humano.
“Quando uma mulher, de certa tribo da África, sabe que está grávida, segue para a selva com outras mulheres e, juntas, rezam e meditam até que apareça a “canção da criança”. Nascida a criança, a comunidade se une para lhe cantar a sua canção. Logo, quando a criança começa sua educação, os habitantes da tribo unem-se novamente, e lhe cantam sua canção. Quando se torna adulto, novamente, unem-se e cantam essa melodia. Quando chega o momento do seu casamento a pessoa escuta a sua canção. Finalmente, quando sua alma está para deixar este mundo, a família e amigos aproximam-se e, como no momento de seu nascimento, cantam a sua canção para acompanhá-lo na viagem.
Mas há outra ocasião na qual os integrantes desta tribo africana cantam a canção: se em algum momento da vida a pessoa cometer um crime ou um ato social aberrante. Levam-no até o centro do povoado onde as pessoas da comunidade, formando um círculo ao seu redor, cantam a sua canção com toda a alma. A tribo reconhece que a correção para as condutas anti-sociais não é o castigo: é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade. Quando reconhecemos nossa própria canção já não temos desejos nem necessidade de prejudicar ninguém. Teus amigos conhecem a tua canção e a cantam quando a esqueces. Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes ou as escuras imagens que mostras aos demais. Eles recordam tua beleza quando te sentes feio, tua totalidade quando estás quebrado, tua inocência quando te sentes culpado e teu propósito quando estás confuso.”
— Canção dos homens da poetisa e ativista africana Tolba Phanem
Hoje, no contexto da civilização moderna, além de estarmos submetidos ao hábito social da estigmatização, ao direito repressivo e à criminalização desumanizada, nós experienciamos rituais dissociados da dimensão sagrada da vida e destituídos de sentido de base comunitária. O sutil, a presença, a atenção, a conexão etc., definitivamente, não são as palavras que melhor qualificam as nossas “cerimônias”.
Aniversários, formaturas, casamentos, mudanças de emprego etc. geralmente envolvem festas desgastantes e presentes entediantes para os anfitriões. Embora o consumo e a aparência sejam a sua marca central, há necessidades essenciais que estão querendo ser, equivocadamente, cuidadas. No fundo, o que queremos é reunir pessoas importantes, comungar o sagrado, celebrar conquistas e sermos reconhecidos por elas. Mas o efeito de ter as nossas necessidades cerimoniais e comunitárias terceirizadas para presentes materiais, festas e mídias sociais é o de mascarar as necessidades reais e nos fazer perder o contato com as nossas transições naturais.
Assim como as estações do ano, nós mudamos e, tão logo, precisamos viver cerimônias para celebrar a natureza transitória dos ciclos da vida. Os ritos cerimoniais de passagem, espelhados na natureza, nos levam de um estágio para o próximo. Eles são a ponte. Eles devem nos proporcionar a lembrança em retrospecto do que fomos, o aconselhamento pelos mais velhos de quem devemos ser e o incentivo da comunidade para o que podemos manifestar. Eles devem funcionar como um lugar interior onde sempre podemos voltar para reunir a força necessária em momentos de pressão e sofrimento.
A falta de celebração e cerimonialização do que importa na vida é, junto com o atentado à individualidade promovido pela educação homogeneizante, a causa da atual epidemia de “falta de sentido”. A depressão, a ansiedade, os vícios, a submissão a ofícios desumanizantes, a busca desesperada pelo propósito etc. são sintomas da necessidade humana de ter uma vida significativa cuja marca é a iniciação. Nós queremos ser iniciados à uma vida potente e em um mundo vibrante.
A imagem adolescente de uma vida adulta contempla um tanto de vigor, liberdade, autonomia, criatividade, poder etc. Então, ficamos adultos e, em contraste com a realidade, aquela imagem se torna uma utopia infantil. Orland Bishop, aconselhador de jovens em risco social e diretor da Shade Tree Multicultural Foundation, diz que ser adulto é compartilhar nossas liberdades e poderes com os outros através de acordos que gerem benefícios mútuos.
Me parece que nós vivemos no limbo entre a infância e a adultez. Nós queremos assumir nossos poderes e habitar um mundo que nos faça sentir vivos — esse é o sintoma da necessidade de iniciação — mas não temos cerimônias significativas e culturalmente compartilhadas que revelem a nossa própria potência e a exuberância do mundo. Então, as doenças, as crises e os conflitos se tornaram as nossas grandes iniciações. Eles nos forçam à transformação que nos inicia em uma vida mais essencial e mais vigorosa do que aquela ordinária que, através de adversidades, nos indicou a necessidade de mudança.
Charles Eisenstein faz uma importante distinção entre ritual e cerimônia. Ele diz que, embora nós não reconheçamos facilmente, a vida moderna é repleta de rituais. Por definição, rituais envolvem a manipulação de símbolos de uma maneira ou sequência pré-determinada que servem ao propósito de manter os relacionamentos do mundo social e material. Dessa forma, a maneira como nos cumprimentamos, fazemos compras, conduzimos encontros sociais etc. são rituais que, por si mesmos, não são bons nem ruins.
Para Charles, a uma cerimônia é um tipo especial de ritual realizado a partir do reconhecimento da presença do sagrado e da testemunha exercida por forças espirituais. Mas em um contexto social cuja cosmovisão assemelha o mundo à máquina não há lugar para o sagrado. Se não é vista como uma superstição sem sentido, a cerimônia é, no máximo, considerada um truque psicológico para acalmar a mente e focar a atenção.
Mas os praticantes cerimoniais — em cujas cosmovisões está contemplada a noção de um planeta vivo — são capazes de reconhecer o orquestramento inteligente e além-humano da vida. Entre eles, cerimônias são tempo-espaços intencionalmente desenhados para reverenciar as forças que criam continuamente o mundo, para restabelecer a conexão com o que é essencial e para acolher o chamado daquilo que deve ser feito em direção a um maior alinhamento com a vida.
O efeito concreto dessa visão de mundo e da qualidade perceptiva que ela reforça é o de tornar as pessoas capazes de intervir sendo elegantemente informadas pelas situações nas quais estão intervindo. E de fazê-las saber que, não importa o que fazem, os fenômenos tomam rumos que transcendem e — por vezes tomam direções contrárias — à ação pragmática. Desde esse lugar, de sóbria humildade e lucidez, nós podemos participar na realização do propósito indicado por uma paisagem, comunidade, organização, encontro etc. incluindo as suas dimensões materiais e imateriais, concretas e sutis, objetivas e subjetivas etc.
Nós estamos atravessando um rito de passagem
“Se você quer ir rápido, vá sozinho, se você quer ir longe, vá acompanhado.”
— Provérbio africano
Uma das qualidades dos ritos de passagem é a de não se saber o que nos espera do outro lado do limiar cruzado e nem se ele conseguirá ser, de fato, ultrapassado. Com essa definição é fácil assumir que, enquanto espécie, nós estamos atravessando um rito de passagem. Para Daniel Wahl, consultor em inovação transformativa e autor do aclamado Design de Culturas Regenerativas, do outro lado do ponto de inflexão há a possibilidade da abundância colaborativa ou da escassez competitiva.
Nós estamos em cima do limiar. Precisamos cruzar a crise climática, o atentado anti-democrático, a negligência com a vida humana e não-humana. No cenário atual de pandemia, mais do que nunca, as saídas podem ser avistadas e uma enorme vontade pessoal e social precisa ser reunida se quisermos enfrentar o desafio de peito aberto e com a visão ampla. Em todo o caso, de sucesso ou não no cruzamento do limiar, durante o rito que se estende no tempo, há a realidade inevitável do colapso do mundo ocidental moderno colonial globalizante e experiências inexplicáveis de sofrimento humano e não-humano.
Por isso, embora as jornadas de busca de visão sejam majoritariamente solitárias, eu acredito que em um momento como este, de crise civilizatória e colapso da ecologia planetária, nós precisamos — nas palavras do provérbio africano — ir longe e rápido. Precisamos adentrar nas profundezas de nossa alma para encontrar potenciais subutilizados e precisamos, para isso, de uma comunidade que nos suporte e incentive.
A condição humana nos dá a aptidão para a compaixão e uma vocação particular. Para a expressão plena da nossa individualidade deveríamos ter as circunstâncias adequadas para desenvolver talentos e aprimorar algum aspecto da vida humana. No entanto, através da educação formal, formação acadêmica e inserção no mercado de trabalho, quase sempre, a nossa vocação é abafada, os nossos talentos subutilizados e a nossa paixão pela transformação do mundo subjugada.
Das mais diversas formas e ao longo de toda a vida somos contidos na expressão do nosso eu autêntico. Isso gera dor. Essa dor segue inconsciente e condiciona a nossa participação no mundo até que as causas necessárias para a sua elaboração sejam criadas. Enquanto isso, permanecemos machucados e construímos relações e estruturas disfuncionais.
Mas neste momento, de colapso inevitável das velhas estruturas e de necessidade emergente de novas formas de estar no mundo, precisamos de pessoas sãs que possam vislumbrar saídas desse ciclo autodestrutivo. Nós podemos ser as pessoas sábias e compassivas que conseguem acolher a própria dor, a dor da humanidade e a dor da Terra cuidando para que o sofrimento seja minimizado e para que as suas causas sejam radicalmente transformadas. Para tanto, é necessário descobrir como permanecer sãos, sensíveis e engajados em um mundo que clama pela nossa participação apropriada.
Jornadas em busca de visão servem a esse propósito porque nos levam a abdicar do conforto cotidiano, a renunciar os estigmas sociais e a soltar as exigências pessoais a fim de descobrirmos como o mundo interno configura circunstâncias externas. Elas nos fazem deparar com encruzilhadas e cruzar fronteiras.
Com a suspensão temporária de quem acreditamos ser surge, então, a possibilidade da descoberta de quem somos e de quem podemos nos tornar. Ao conviver com perguntas como quem sou eu?, o que eu tenho a oferecer?, como eu posso servir à minha comunidade?, como curar minhas feridas? e como deixar hábitos que não me servem mais?, demandas socialmente adquiridas e limites auto-impostos são transgredidos. De repente, percebemos que tudo está imbuído de significado, entramos em nossa verdadeira natureza e nos tornamos o que nascemos para ser — o que sempre fomos.
Nota de esclarecimento
A jornada Em Busca da Visão — Propósito pessoal a serviço de Gaia, embora assemelhe-se no nome, não pretende simular e não contempla os processos e os objetivos dos tradicionais Vision Quest. Ela nada tem a ver ou pretende se vincular a essa prática culturalmente distintiva. Nós, do IDR, honramos e somos inspirados por essa tradição, celebramos o fato de que esse rito continua sendo praticado pelos povos que o originaram e lamentamos o fato de que ele esteja sendo assimilado em contextos indevidos.
O que estamos oferecendo com o nome Em busca da Visão — Propósito pessoal a serviço de Gaia é um percurso online de autodesenvolvimento que quer facilitar o encontro das pessoas com um entendimento sistêmico do mundo e do ser humano, com a elaboração de feridas pessoais e sociais e com um processo criativo que as aproxime da visão sobre quem são e sobre a melhor contribuição que podem fazer ao seu contexto.
Ele é informado por ciências holísticas e espirituais e por ciências de base sistêmica e fenomenológica. Durante a jornada incentivamos cada pessoa a desabafar a sua vocação, a acordar a sua sensibilidade diante as dores da Terra e a recobrar o poder de transformação do seu contexto assumindo-se como um agente de mudança positiva e efetiva no mundo.
Referências
Amanda Robinson. Vision Quest. The Canadian Encyclopedia, 2018.
Charles Eisenstein. Every Act a Ceremony, 2019.
Daniel Wahl. Human and Planetary Health: Ecosystem Regeneration: Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV, 2018.
Orland Bishop. Everybody brings an income to earth, 2018.
Foto: Pablo García Saldaña
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