Senciência, inteligência e agência

O amadurecimento humano sentido uma expressão cada vez mais potente da própria humanidade implica o desenvolvimento contínuo e harmônico de três naturezas distintas de capacidades — senciência, inteligência e agência pessoal.

Senciência diz respeito à percepção ampliada do entorno e à autopercepção consciente. É sobre perceber e sentir o mundo — inclusive o mundo interno próprio e o mundo interno de outras pessoas — com os sentidos físicos e sutis. Inclui qualidades como atenção plena e calma interior, escuta profunda e observação aberta, sensibilidade e cuidado, empatia e compaixão. 

Inteligência diz respeito ao entendimento do mundo, isto é, ao processamento de dados advindos das impressões e sensações que, por sua vez, informa a ação. Inclui capacidades como pensamento crítico, pensamento sistêmico, pensamento abstrato, visão holística, convivência com perguntas, discernimento, resolução de problemas, alfabetização em quadros conceituais, familiaridade com diferentes sistemas de conhecimento etc. 

Agência diz respeito à habilidade de agir no mundo de forma deliberada, autêntica e íntegra. Inclui atributos como capacidade de estabelecer e perseguir objetivos, vitalidade, vontade, impulso, determinação, responsabilidade, disciplina, autocontrole, resiliência etc.

Associando à Antroposofia

Essas três capacidades — senciência, inteligência e agência — correspondem, respectivamente, aos atributos da alma humana — sentir, pensar e querer/agir — tal como sugerido pela Antroposofia, ciência espiritual elaborada inicialmente por Rudolf Steiner. O sentir nos permite vivenciar novas habilidades, o pensar descobrir novos conceitos e o querer/agir desenvolver novas capacidades. 

O sentir saudável é empático permitindo que razão e emoção estejam equilibradas. Não é antipático ou simpático nem apático ou passional. O pensar saudável manifesta forte autoconsciência e capacidade contemplativa. Não é desligado nem demasiadamente intelectualizado. O querer/agir é equilibrado quando se pode realizar os desejos e vontades próprias com consideração ao entorno e ponderação. Não é passivo ou impulsivo nem inerte ou obstinado.

Associando a arquétipos humanos

Considerando arquétipos humanos, segundo Daniel Schmachtenberger, o ápice do desenvolvimento da senciência é o arquétipo do bodisatva — aquele que comparece diante à dor e à disfuncionalidade e endereça saídas elegantes e altruístas. O zênite do desenvolvimento da inteligência é o arquétipo do polímata — aquele que faz sábio uso de diferentes abordagens, ciências e linguagens para se posicionar. E o apogeu do desenvolvimento da agência, é o arquétipo do criador de mundos — aquele com poder criativo infinito.

Talvez possamos associar também a agência desenvolvida com o arquétipo do guerreiro e líder que inspira prontidão e inteligência criativa na tomada de decisões, planejamento de ações e enfrentamento estratégico diante uma necessidade percebida coletivamente.

Associando a sistemas complexos

Na linguagem do pensamento sistêmico e complexidade, a senciência representa a capacidade sensorial de um sistema adaptativo complexo enquanto que a inteligência representa sua capacidade de processamento de informações e a agência sua capacidade de resposta e atuação.

“Todos os sistemas adaptativos complexos podem ser definidos por circuitos fechados de entrada sensorial (senciência), processamento de informações (inteligência) e resposta de saída (agência) de modo que os efeitos das ações no mundo podem, por sua vez, ser sentidos criando circuitos fechados de feedback e aprendizado. Biologicamente, esses três aspectos sempre e apenas co-evoluem (já que não haveria nenhuma vantagem evolutiva de nenhum dos três desacoplados dos outros, e sim uma desvantagem considerável). Nosso desenvolvimento consciente pode e deve ser informado por esta dinâmica evolutiva.” — Daniel Schmachtenberger

Daniel diz que a soberania é o produto da atuação equilibrada da senciência, inteligência e agência e está relacionada à capacidade e à demonstração de boas escolhas ou escolhas universalmente positivas. Em suas palavras, “a própria evolução pode ser significativamente considerada como um alinhamento com uma flecha de crescente soberania”. 

No pequeno artigo Advancing Human Sovereignty onde discorre sobre essas competências, Daniel ressalta que, embora a noção de soberania seja comumente associada a agência, ela diz respeito a uma agência que é informada por sensibilidade e inteligência. Do mesmo modo, na visão antroposófica, é a atuação comprometida da vontade associada a uma mente curiosa e a um coração compassivo que possibilita ao ser humano manifestar-se como individualidade livre capaz de participar de forma responsável, fraterna e autêntica de sistemas e comunidades maiores do que si mesma.

Desenvolver capacidades em comunidade

O Círculo Regenerativo é uma comunidade de prática a serviço do desenvolvimento dessas três capacidades.

A inteligência e o pensar são trabalhados a partir da alfabetização em vocabulários teórico-conceituais presentes nas trilhas de aprendizagem. A senciência e o sentir são desenvolvidos através de processos vivenciais e práticas contemplativas em encontros síncronos e workshops. A agência e o querer/agir são estimulados através da experimentação de metodologias instrumentais e práticas específicas para o autodesenvolvimento.

Referências

Esse texto adiciona contribuições e sintetiza o artigo Advancing Human Sovereignty de Daniel Schmachtenberger.

Sobre a visão antroposófica de desenvolvimento humano:

Rudolf Steiner. A Filosofia da Liberdade: Fundamentos para uma filosofia moderna. Antroposófica, 2008.

Rudolf Steiner. A Ciência Oculta. Antroposófica, 1998.

Posted by Juliana Diniz

Através da conciliação entre desenvolvimento humano e social e a inteligência dos sistemas vivos, facilito processos de aprendizagem e transformação pessoal e coletiva que promovam a saúde planetária e protejam a memória biocultural da Terra.

2 comments

Bom bom conteudo

Muito bom

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