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Flávio Tavares
O Mercado Novo, localizado no centro de Belo Horizonte, tornou-se um exemplo vibrante de regeneração urbana e cultural. Originalmente concebido nos anos 1960 como um centro comercial, o espaço passou décadas subutilizado até que, nos últimos anos, um movimento espontâneo de empreendedores, artistas e coletivos começou a utilizá-lo com um novo propósito.
Antes de se tornar um atrativo turístico e polo de cultura, gastronomia e economia criativa, o Mercado Novo era um espaço pouco conhecido. Diferente do vizinho Mercado Central, que sempre manteve um fluxo intenso de visitantes e turistas, o edifício não alcançou inicialmente o protagonismo esperado. Durante décadas abrigou principalmente gráficas, papelarias e pequenas lojas de atacado, funcionando de maneira discreta, quase invisível na dinâmica urbana da cidade. O envelhecimento do prédio, os estandes vazios e a pouca movimentação fizeram com que ele passasse a ser visto como um espaço degradado.
A transformação começou por volta de 2018, quando pequenos empreendedores enxergaram ali uma oportunidade de criar algo novo sem abrir mão da memória do lugar. Aos poucos, bares, cozinhas experimentais, galerias de arte e oficinas criativas ocuparam as antigas salas vazias, ressignificando o uso e a ocupação do prédio.
Diferente de muitos projetos de requalificação urbana, que frequentemente envolvem processos de gentrificação e remoção de antigos ocupantes, a revitalização do Mercado Novo seguiu um caminho diferente: respeitou a história do lugar ativando sua vocação comercial e cultural e fortalecendo laços comunitários. Atualmente, abriga cervejarias artesanais, tipografias tradicionais, livrarias independentes, cozinhas autorais e espaços de convivência que promovem encontros e experiências autênticas.
Intencional e emergente
O que diferencia o Mercado Novo dos mercados históricos restaurados para o turismo ou dos shoppings planejados para o consumo massificado, e o faz um exemplo de regeneração urbana, é a maneira como sua revitalização aconteceu e os valores que sustentam sua atuação. Foi uma iniciativa orgânica, sem a condução centralizada de grandes investidores, impulsionada por pequenos negócios que ocuparam o espaço de forma independente, respeitando o ritmo de adaptação desse movimento emergente e fortalecendo redes de cooperação.
Em vez de promover grandes marcas e franquias, o Mercado abrigou negócios que valorizam a produção artesanal e a cultura local, como oficinas de tipografia, cervejarias artesanais e cozinhas experimentais, contrastando com galerias padronizadas e mercados voltados ao consumo rápido ou ao turismo convencional.
O fato de manter um caráter acessível e inclusivo, valorizando a economia local, evitou que acontecesse ali o que é comum em muitos mercados históricos que passam por processos de elitização que afastam antigos comerciantes e moradores. É notável também o aproveitamento da infraestrutura existente, dispensando as grandes construções e as burocracias que envolvem o estabelecimento de um grande centro comercial.
Esse processo se deve à iniciativa de diversos empreendedores e coletivos, entre os quais estão a Cervejaria Viela e Cozinha Tupis, a Papelaria Mercado Novo, a Companhia Mineira de Picolés, a Casa LED e a Made in Beagá. Embora sejam apenas alguns das dezenas de negócios locais, eles oferecem uma imagem do conceito do lugar: um restaurante que valoriza ingredientes locais adquiridos no próprio mercado, uma papelaria que resgata técnicas tradicionais de impressão, lojas que fortalecem a moda autoral e a identidade da cidade de Belo Horizonte.
Enraizado no lugar e na comunidade local
Consolidado como um espaço de inovação e economia criativa, o Mercado Novo demonstra que a revitalização urbana pode ser feita de maneira regenerativa quando:
Honramos o espírito do lugar, respeitando sua história e vocação sem impor um modelo ou estética modernizadora. O Mercado manteve a arquitetura original e incorporou a cultura e os saberes locais, fortalecendo a conexão com a identidade belo-horizontina associada à antiga gastronomia de estufa, aos pequenos armazéns e brechós e bazares e à nova cultura de produção de drinks e artes locais.
Priorizamos a evolução gradual que oferece as condições para o aprendizado e a inovação. O crescimento do mercado ocorreu progressivamente, permitindo que empreendedores encontrassem ali um laboratório vivo para novos modelos de negócios baseados em criatividade e economia colaborativa.
Privilegiamos os ganhos sistêmicos, beneficiando todos os atores envolvidos no processo. A revitalização do Mercado beneficiou os novos empreendedores, os antigos comerciantes e a cena cultural da cidade, se tornando um polo econômico caracterizado pela inclusão e diversidade. Essa foi uma aposta que o torna exemplo para outros empreendimentos desse nicho que se estabelecem nos lugares à custa da retirada compulsória ou “voluntária” do que já acontecia ali, reproduzindo uma lógica colonial de apropriação e uso dos ativos e potenciais dos territórios.
Promovemos a auto-organização e o fortalecimento das redes locais, evitando a dependência de grandes empresas ou de instâncias do governo. Iniciativas que emergem de forma descentralizada, com diferentes atores contribuindo para a criação de um ecossistema próspero, e se apoiam em suas próprias relações e comunidades, tendem a manifestar maior resiliência a longo prazo. Geralmente, como no caso do Mercado Novo, elas contam com um espaço físico e uma atmosfera social de encontro e conexão, promovendo um senso coletivo de pertencimento.
O Mercado Novo se tornou um exemplo de desenvolvimento urbano onde a regeneração acontece a partir das pessoas, da valorização da cultura local e da ativação de redes de cooperação. É uma iniciativa que demonstra que lugares em degeneração ou aquém do seu potencial podem se tornar forças regenerativas no território criando espaços vivos de convivência, circulação e trocas que enriquecem mutuamente produtores e clientes, visitantes e locais.
Honrar o espírito do lugar, trabalhar de forma desenvolvimental, privilegiar os ganhos sistêmicos e fortalecer as redes de cooperação local são algumas das diretrizes de design do desenvolvimento regenerativo. Essa é uma metodologia de planejamento estratégico para projetos de impacto que se apoia nos princípios de evolução dos sistemas vivos.
Quando desenhamos ou gerenciamos projetos a partir dessa abordagem atuamos de forma mais estratégica e sistêmica e aumentamos as chances dos nossos projetos produzirem impacto real e duradouro nos seus lugares. Saiba mais e junte-se à turma da 6ª edição da Capacitação em Desenvolvimento Regenerativo.