Allan Kaplan, retomando um pensamento de Rudolf Steiner, diz que “não devemos tentar interromper um processo de destruição ou decadência porque ele tem seu próprio curso, mas infundir nele germes do que consideramos como bem”.
Algo semelhante pode ser visto na dinâmica ecológica de uma horta ou agrofloresta. Quando uma planta apresenta traços de baixa vitalidade ou senescência (envelhecimento), mais do que tentar adiar seu fim e restaurar sua vitalidade com insumos externos, é interessante acelerar seu processo de morte. Uma prática fundamental no manejo agroecológico é retirar espécies antigas e fracas para abrir espaço para novas mudas e sementes crescerem com vigor.
Toda ruína é acompanhada de novas possibilidades do que pode vir a acontecer e de um potencial singular correspondente aos aspectos da identidade de um dado sistema que, nessa virada, podem vir a se atualizar.
O processo de morte provocado pela queda de uma árvore em uma floresta abre uma clareira que permite a germinação das sementes que estavam no solo esperando pelas condições apropriadas para surgirem como habitantes vivas desta paisagem. Essa dinâmica de vida-morte-vida possibilita que os nichos disponibilizados por aqueles que saíram do sistema sejam ocupados por novos atores.
Considerando esse entendimento ao pensar como vivemos em lugares que expressam os traços da sociedade global, me surge que muito do mundo como conhecemos deve realmente morrer para nascer uma nova humanidade que se vê novamente como parte da vida. E nele devemos infundir um novo sentido de identidade humana e uma nova direção sobre como habitar os lugares.
Nas ruínas da sociedade de crescimento industrial há uma crise de identidade e uma crise do lugar. As culturas globalizadas e globalizantes caminham sentido a construção de populações desprovidas e alienadas de seus lugares, aquilo que lhes confere identidade e resiliência. Nas frestas desta crise apresentam-se oportunidades ou potenciais ocultos.
Gary Snyder, filósofo zen e um dos precursores do biorregionalismo, diz que qualquer modelo para uma cultura verdadeiramente saudável deve começar com a investigação em torno da identidade pessoal e com o compromisso com o lugar — qualquer lugar que tenha significado para a pessoa.
Algo especial acontece quando nos damos conta de que pertencemos a um lugar e de que a saúde desse lugar é fundamental para a saúde de todos que dele participam. E, por outro lado, de que cada elemento deste lugar é capaz de desempenhar um papel que contribui para a nutrição, resiliência e evolução de onde se está.
Às vezes, a premissa de que existe um pertencimento mútuo entre tudo que participa da vida pode parecer teórica ou abstrata demais, mas se mostra muito concreta quando olhamos na escala apropriada.
Considerar a nutrição recíproca que há entre entidades vivas e seus lugares e aprender a navegar nos ciclos de vida-morte-vida é levar a sério algumas das dinâmicas essenciais de funcionamento e evolução dos sistemas vivos.
Pensar em transições de vida informadas por essas premissas é também uma forma de se alinhar com a direção de um futuro possível e de uma sociedade viável, e um caminho de realização do que talvez seja nossa identidade mais ampla e verdadeira — nosso “eu ecológico”.
Se essa reflexão te toca, pode ser que você se interesse em participar da atividade Regeneração e a escala do lugar na nossa comunidade de aprendizagem e da Capacitação em Desenvolvimento e Design Regenerativo.