“Tornar-se um praticante regenerativo requer tanto o desenvolvimento das capacidades e potenciais de si mesmo e do seu time quanto o desenvolvimento destas qualidades em projetos e comunidades.” — Regenesis
O desenvolvimento regenerativo é um método de inovação transformativa que oferece uma série de quadros conceituais a fim de facilitar novas formas de se pensar a partir da visão sistêmica da vida. Uma das ideias mais básicas e cruciais está representada na tríade chamada “três linhas de trabalho”.
Estas ideias foram desenvolvidas pelo grupo Regenesis em mais de vinte anos de trabalho em desenvolvimento e design regenerativo e foi apresentada recentemente no livro Regenerative Development and Design: A Framework for Evolving Sustainability (2016).
Esta abordagem reconhece a interdependência de três ordens de trabalho que são fundamentais para apoiar e sustentar as iniciativas regenerativas. Possui uma estrutura de sistemas aninhados, ou seja, sistemas dentro de sistemas, indicando que não existe uma hierarquia entre as linhas de trabalho e sim uma codependência.
Terceira linha de trabalho — aprimorando a saúde e o valor do sistema
A terceira linha de trabalho foca no que se está criando a fim de aprimorar a saúde, vitalidade e valor do sistema como um todo. É o produto em si, a materialização das vontades e necessidades percebidas na fase de concepção do projeto regenerativo.
Neste nível o conceito de lugar é crucial pois serve como ponto de partida e referência para se entender e visualizar o todo apropriado para se trabalhar. Outros conceitos como potencial, essência, espírito do lugar, vocação do lugar e papel gerador de valor nos ajudam a revelar sinergias e potenciais regenerativos ocultos. Processos de trabalho como a avaliação sistêmica integral e a história do lugar nos ajudam a trabalhar neste nível.
Assim, um projeto torna-se regenerativo quando este incorpora um papel sistêmico capaz de gerar valor e contribuir para a saúde e vitalidade do sistema mais amplo de que faz parte. No entanto, para que seja possível realizar todo o potencial de um lugar é preciso estar engajado, simultaneamente, nos dois níveis seguintes.
Segunda linha de trabalho — desenvolvendo as capacidades da comunidade ou da equipe
A segunda linha de trabalho foca no desenvolvimento da capacidade da comunidade ou equipe em trabalhar juntas a fim de servir o objetivo comum expresso pela terceira linha de trabalho.
Nesta esfera temos basicamente dois tipos de trabalho: o desenvolvimento das capacidades e aptidões dos atores envolvidos e a construção de meios de convívio e tomada de decisão capazes de energizar a equipe. Ou seja, estamos falando tanto sobre o processo de trabalho quanto das metas a serem consideradas.
“Um projeto de desenvolvimento regenerativo deixa mais do que estruturas físicas; faz mais do que beneficiar o meio ambiente e as comunidades do entorno. Ele desenvolve novas capacidades e aptidões nas pessoas com que interage. Isso é realizado ao incluir o desenvolvimento humano em todos os aspectos de um projeto.” — Regenesis
Assim, criamos um campo de energia vitalizadora em torno de sonhos e potenciais. Processos integrativos de design despertam um senso de pertencimento ao projeto, à comunidade e ao lugar em que se habita. Busca-se, então, cultivar uma relação de cuidado de uns com os outros e de todos com o seu entorno.
O praticante regenerativo deve estar atento e sensível aos altos e baixos emocionais lançando mão de práticas capazes de elevar a qualidade dos campos de energia que envolvem o grupo. Desta forma, facilitação de processos, sistemas de tomada de decisão, dinâmicas de grupo e técnicas de mediação de conflito são habilidades necessárias. Para tanto, é fundamental um engajamento e evolução no próximo nível, o nível do eu.
Primeira linha de trabalho — desenvolvendo a si mesmo
A primeira linha de trabalho foca no desenvolvimento das capacidades e qualidades interiores do praticante regenerativo. Estas são fundamentais se queremos alcançar uma transformação real e duradoura nos outros dois níveis. Assim, devemos nos empenhar em todas as três linhas de trabalho e buscar entender, desenvolver e integrar suas relações e sinergias.
É necessário, então, um trabalho constante de tomada de consciência dos processos desarmônicos para que possamos alinhá-los rumo a um estado de saúde e vitalidade. Práticas de desenvolvimento interno como escuta profunda, consideração empática, comunicação não violenta, auto-observação, descolonização da comunicação e do pensamento, são exemplos de engajamento neste nível.
O desenvolvimento regenerativo está fundamentado em uma crença de que não é possível realizar a transformação que queremos para o mundo sem antes realizarmos a transformação interior de como pensamos e de quem somos capazes de ser. — Regenesis
O desenvolvimento regenerativo possui explicitamente duas dimensões: uma externa e uma interna. O desenvolvimento externo do território deve sempre vir combinado com o desenvolvimento interno daqueles que os habita. Ao mesmo tempo, o trabalho externamente orientado dos consultores e demais profissionais envolvidos deve vir acompanhado de uma reflexão interna e um comprometimento verdadeiro com o entendimento do complexo socioecológico que se está trabalhando.
O trabalho interno é pessoal e energizado pela vontade inata dos seres humanos de se desenvolver. Ele visa a paisagem interna do ser em vez da paisagem externa do lugar. Por esse motivo, é, na maioria das vezes, negligenciado e dado como um trabalho do âmbito pessoal e não da prática profissional. Ainda assim, o que projetamos e como colaboramos depende profundamente de quem somos capazes de ser enquanto estamos trabalhando.
O praticante regenerativo é um catalisador de transformações
A partir de um entendimento holístico e evolucionário deixamos de ter como objetivo a criação de um objeto e passamos a trabalhar para catalisar o início de um processo de transformação.
Bill Reed afirma que “a sustentabilidade não é um destino e sim uma jornada”. Assim, o papel do praticante regenerativo é conduzir as partes envolvidas em um processo de descoberta e energização capaz de criar sentidos e objetivos que vão rumo a níveis mais altos de organização e saúde do sistema socioecológico a que pertencemos.
Esse trabalho — sutil e poderoso — só é possível através de um engajamento de dentro para fora e de fora para dentro. Se nós, enquanto humanidade, devemos ser agentes de nossa própria evolução e facilitadores da transformação que queremos para o mundo, devemos buscar as três linhas de trabalho simultaneamente. Se deixarmos qualquer um deste níveis de fora, eventualmente, os outros também irão colapsar e nos tornaremos cada vez mais imediatistas e reducionistas em como pensamos e trabalhamos. Este é tanto o desafio quanto a recompensa de se trabalhar com o desenvolvimento regenerativo.
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