Vivemos no limbo entre a morte de uma época e o nascimento de uma nova era que ainda não começou.
É preciso coragem para viver nesse tempo-espaço porque nós estamos acostumados a fugir ante a iminência do desmoronamento das estruturas convencionais e a nos acovardar com a perda do conhecido. A paralisia, a inércia e a apatia, em momentos decisivos, são nossas velhas companheiras.
Mas abrir mão de participar da criação do futuro é subutilizar a qualidade distintiva do ser humano — influenciar o entorno por meio da escolha consciente. Participar conscientemente, lançar mão da coragem necessária para sustentar escolhas autênticas e assumir a responsabilidade de influenciar o curso evolutivo do mundo quando ele se apresenta disfuncional é o que nos torna humanos.
Para tanto, é inevitável atravessar a angústia existencialista de viver no limbo entre o que existe e o que devemos dar nascimento. Não há como evitar o desconforto de adentrar na terra de ninguém onde não há trilhas feitas e da qual ninguém voltou para nos servir de guia. Viver no futuro emergente é saltar no desconhecido. Exige uma coragem sem precedentes.
Existencialistas como Nietzsche e Sartre dizem que a coragem não é a ausência do desespero, mas a capacidade de seguir em frente apesar dele.
A coragem é paradoxal. Ao mesmo tempo em que pressupõe comprometimento, implica acolher dúvidas e assumir equívocos. Há uma dialética entre convicção e incerteza que lhe é inerente. Coragem é ter certeza e, ao mesmo tempo, duvidar completamente cultivando abertura para novos aprendizados. O compromisso saudável é aquele que existe apesar das dúvidas e não livre delas.
Escutar o eu autêntico, ser fiel a si mesmo, expressar ideias originais e contribuir na evolução de um todo maior do que si mesmo implica ir além da mente agitada e da atitude de fechamento que nos protegem da sensação de vazio e de inadequação tão presentes nos momentos de crise e transição.
Nós jamais seremos preenchidos se não pudermos nos esvaziar. A crise surge quando aquilo que quer vir a ser atinge um canal não receptivo. Apesar da angústia que a crise e o limbo traz, é difícil identificar o que exatamente tememos. Nesse momento, precisamos desafiar o medo, soltar o controle, saudar o vazio e sustentar a abertura para ser um canal de expressão da força criativa da vida. Nós podemos tornar o vazio uma aventura criativa que nos eleva além da apatia.
Novos jeitos de experimentar a condição humana e de habitar o mundo precisam nascer através de nós. Para tanto, precisamos atravessar as inseguranças inerentes à gestação daquilo que ainda não conhecemos nem sabemos como nascerá. A beleza de ser humano está em viver a gestação de uma nova humanidade e de um outro mundo possível. Nós nos tornamos humanos pelo compromisso com essa escolha.
“Todo ato de criação é antes de tudo um ato de destruição.” — Picasso
Foto: Felipe Pradena