As crises ecológica, social e econômica não são crises distintas e separadas, mas diferentes expressões de uma só: a crise de percepção.
Vivemos um paradoxo: nos orgulhamos da racionalidade humana e dos feitos tecnológicos, mas é esse mesmo pensamento a causa dos nossos maiores problemas. Esta é a tese central do autor Fritjof Capra e de outros pensadores.
A mentalidade dominante da sociedade hoje possui origem no encantamento com a máquina. Esta foi uma grande novidade e motivo de fascínio: “um instrumento grandioso fruto da racionalidade humana que irá solucionar muitos problemas e aliviar o sofrimento das pessoas”. Hoje, essa abordagem ainda sustenta manchetes como “Esta gigantesca máquina que remove CO2 do ar poderá transformar a luta contra a mudança climática”.
Essa mentalidade, o pensamento linear-cartesiano-reducionista, possui o seu lugar. Somos gratos aos avanços tecnológicos, mesmo que atrapalhados, que esta abordagem proporcionou. Mas estamos sentindo profundamente as suas consequências não intencionais — as “crises”. Isso acontece porque a mentalidade reducionista é útil para abordar determinados tipos de problemas, como os de engenharia, mas completamente inadequado para outros, como os problemas complexos da vida.
Nos apaixonamos tanto pelas máquinas e acreditamos tão cegamente na ciência reducionista que em todo lugar que olhamos só conseguimos ver máquinas. Pessoas, organizações, comunidades e ecossistemas são vistos como tipos particulares de sistemas mecânicos.
O lado mais perverso dessa história é o assassinato da agência e intencionalidade de um mundo que é vivo. O pensamento cartesiano fundamentou uma sociedade que acredita que o mundo é um baú de recursos a serviço do “desenvolvimento” econômico. Um rio intocado ou uma floresta milenar são recursos não aproveitados. Essa crença orienta o desenvolvimentismo que é cego por só saber ou querer olhar para fragmentos tortos da realidade como o PIB.
O nosso tempo pede a superação do modelo mental reducionista, esse que permeia todas as esferas da sociedade moderna. É necessário entender a sua limitação e mergulhar profundamente em um novo tipo de conhecimento: um informado pelos sistemas vivos.
Olhando para as máquinas e para os detalhes deixamos escapar a vida e o todo. Agora, precisamos redescobrir o todo e a linguagem da vida. Pessoas, organizações, comunidades e ecossistemas são sistemas vivos complexos e assim devem ser tratados. O todo é mais do que a soma de suas partes. É a expressão emergente de fenômenos que se dá no relacionamento e que não se encontram nas partes.
É necessário apaixonar-se pela vida. Reconhecer a beleza e a inteligência dos sistemas naturais porque aí está a expressão de bilhões de anos de evolução. Aí está a resposta para perguntas ainda que nem sequer sabemos fazer.
Reconhecer o valor intrínseco de todas as formas de vida e ter a humildade de nos colocarmos como participantes de um sistema inteligente, e não como os seres inteligentes do sistema, como diria Ernst Göstch, é um passo fundamental para superarmos a crise de percepção: a crise última da humanidade.
Foto: Juarez Neto