Regeneração – um catalisador para a evolução de sistemas vivos

Sistemas vivos saudáveis estão constantemente ocupados em realizar quatro diferentes naturezas de trabalho. Todas elas são necessárias para que uma entidade viva se sustente e se desenvolva no ambiente dinâmico e complexo a que pertence.

Formulado por Charles Krone, o quadro conceitual “níveis de trabalho” descreve estas diferentes naturezas. Os níveis inferiores, operar e manter, focam em aspectos da existência, ou seja, no que já existe hoje. Já os níveis superiores, aprimorar e regenerar, focam em aspectos potenciais, isto é, o que poderia mas ainda não existe.

Em um sistema evolutivo o nível regenerar funciona como um guia para os demais permitindo que o sistema como um todo evolua em harmonia com o seu ambiente. Profissionais devem utilizar este quadro conceitual para pensar uma integração consciente entre todos os níveis de trabalho. Além disso, a partir desta formulação é possível visualizar como e onde diferentes abordagens de sustentabilidade servem e como elas podem ser potencializadas se estiverem organizadas em torno de um objetivo regenerativo (Mang e Haggard, 2016).

 

Níveis de trabalho

Operar

Este nível busca fazer as coisas melhor. Operar bem significa aumentar a eficiência em que seu objetivo é realizado. É sobre aumentar a capacidade de um sistema manter uma relação harmoniosa com o que quer que esteja recebendo o que ele produz.

Assim, percebemos projetos de sustentabilidade trabalhando neste nível ao focar no aumento de eficiência energética e melhor uso de materiais, ao trabalhar para encurtar as distâncias da cadeia de suprimento ou eliminar variáveis como toxicidade e rejeitos.

Historicamente, este sempre foi o principal objetivo da arquitetura verde; o que tem gerado, por exemplo, grandes realizações como prédios com saldo energético positivo. É também a principal natureza de trabalho explorada na economia circular.

Manter

Trabalhar no nível manter significa estar preocupado em sustentar os efeitos desejados e a eficiência das operações frente a perturbações e incertezas ambientais. É sobre desenvolver as habilidades para gerir a evolução em resposta às mudanças inesperadas. Trabalhos para aumentar a resiliência de um sistema está associado a este nível.

O princípio da redundância, da permacultura, exemplifica uma diretriz de design associada a este nível ao colocar que “cada necessidade vital deve ser atendida por múltiplas fontes distintas”.

Uma cidade que instala infraestrutura úmida como jardins de chuva, bacias de retenção e pavimentos permeáveis, junto a um bom sistema de drenagem, são mais resilientes e capazes de manter suas operações diante de eventos extremos de chuva.

Outro exemplo são cidades que estimulam a agricultura urbana e a agricultura familiar no seu entorno com o objetivo de diversificar as atividades produtivas e aumentar a segurança alimentar da comunidade local.

No âmbito pessoal, investir no desenvolvimento de inteligência emocional e de habilidades e conhecimentos diversos pode ser considerado um trabalho neste nível pois isso torna a pessoa mais apta a desempenhar diferentes funções frente a um cenário de mudança.

Aprimorar

Aprimorar é trabalhar para a evolução do sistema como um todo. É sobre fazer melhores coisas no lugar de fazer as coisas melhor. É sobre reavaliar as premissas e crenças que nos trouxe até aqui e buscar a mudança em um conjunto completamente novo de opções.

Uma pergunta que orienta este nível é: Qual atividade inovadora é capaz de manter o sistema em um processo de evolução de forma que ele seja capaz de desempenhar melhor o seu propósito? E a pergunta que retorna é: Como você precisaria pensar diferente para que isso ocorra?

O trabalho neste nível busca aumentar a capacidade dos sistemas humanos e naturais gerar valor para o contexto em que está inserido. Sistemas de design ecológico como a permacultura, agroecologia e manejo holístico que buscam desenvolver paisagens altamente produtivas, biodiversas e resilientes oferecem um bom exemplo desta natureza de trabalho.

Regenerar

Este nível trabalha pela evolução do “todo” socioecológico, ou seja, o maior sistema observável que influencia e é influenciado pelo sistema que está sendo trabalhado. Além disso, é capaz de prover uma direção que integra os outros níveis de trabalho.

Regenerar é, antes de mais nada, aprender a ver com novos olhos. A natureza do trabalho regenerativo está em perceber e realizar um potencial inerente que surge do relacionamento entre um dado sistema e o sistema maior em que este está aninhado. Este nível permite a evolução dos sistemas vivos ao expressar o seu potencial latente na forma de um novo valor ao mundo.

Assim, temos que a regeneração acontece a partir de uma relação de reciprocidade onde um sistema vivo realiza um papel capaz de gerar saúde e vitalidade para o sistema em que está inserido e que, por sua vez, é beneficiado por este sistema maior. Desta forma o que existe hoje pode seguir rumo ao que poderia ser no futuro.

Para tanto, é necessário olhar não apenas para como o sistema funciona (nível aprimorar), mas também para quem ele é. Quais as características únicas deste sistema? Qual a sua essência? O que lhe é singular?

Estes questionamentos nos levam a aprofundar a investigação. Quem este sistema socioecológico quer ser? Qual o seu papel único no mundo? O que ele é chamado a ser e ainda não está consciente disso? Como você usa o reconhecimento de quem o lugar é para despertar o seu potencial?

A cooperativa de alimentos Brattleboro, em um processo de investigação sistêmica, transformou a sua identidade de supermercado para a de mercado regenerativo. Ao tomar consciência da degeneração da agricultura local e os riscos que isso implica a sua própria existência, a organização assumiu a liderança em um processo de revitalização da comunidade camponesa. Ela o fez criando um espaço de convívio e aprendizado onde agricultores e consumidores se encontram e se integram através de cursos de agricultura de base ecológica, culinária, cooperativismo e eventos culturais que valorizam os artistas locais.

Quando a essência de um lugar e de uma organização ganha vida e reflete o papel que tal iniciativa vai desempenhar no mundo temos uma chance de estar envolvidos em um trabalho regenerativo.

Os quatro níveis de trabalho devem ocorrer simultaneamente

A falha em realizar bem os dois primeiros níveis de trabalho, operar e manter, mesmo trabalhando os dois níveis acima da linha de expressão, aprimorar e regenerar, pode facilmente ameaçar a própria existência da entidade devido à pura incompetência organizacional.

Ao mesmo tempo, executar bem os dois primeiros níveis, mas negligenciar os dois últimos, é tão perigoso quanto. O trabalho em operar e manter lida apenas com o que já existe e é então governado pela entropia. Focar toda a energia na tentativa de controlar a desordem bloqueia a evolução e assim é impossível frear o gradual esgotamento e degradação material, psíquica e espiritual (Mang e Reed, 2011).

Em um mundo em contínua transformação, a evolução deveria ser a nossa principal preocupação. A sustentabilidade deveria ser, então, o processo que atende a esta preocupação. Para tanto, é fundamental um envolvimento completo e harmônico entre os quatro níveis de trabalho.

Referências

MANG, P; HAGGARD, B. Regenerative Development and Design: A Framework for Evolving Sustainability. Wiley, 2016.

MANG, P.; REED, B. Designing from place: A regenerative framework and methodology. Building Research and Information, 2011.

Posted by Felipe Tavares

Trabalho para conciliar o desenvolvimento social com a inteligência dos sistemas vivos. Acredito que a sustentabilidade começa com uma mudança de pensamento e não de técnicas.

2 comments

Leticia Inohã de Abreu

Estamos trabalhando na Mantiqueira de Minas com um ecoturismo consciente que visa causar o mínimo de impacto ao meio ambiente e a comunidade local, recebendo pequenos grupos de até 12 pessoas para hospedagens e passeios 4×4 entre os Parques: Estadual da serra do Papagaio e Nacional do Itatiaia. Buscamos desenvolver e valorizar a preservação da Natureza e da rara cultura tropeira desse alto de serra que tem métodos antigos e naturalmente sustentáveis pela remota localização; ha centenas de anos a comunidade é unida e com uma vida simples no campo são pessoas felizes e caseiras que vivem uma vida tranquila em torno de suas pequenas propriedades rurais familiares, plantando suas hortas e criando seus animais. Buscamos ser ainda mais sustentáveis e ecologicamente corretos, desenvolvendo projetos de saneamento e recuperação dos mananciais e areas degradadas pela pecuária e vimos um grande potencial nos ensinamentos do IDR, convidamos aqueles que amam a serra virem nos visitar e conhecer nosso trabalho, estamos abertos a aprender, trocar ideias e fazer novos amigos que tem os mesmos ideais. Gratidão!

Felipe Tavares

Olá, Leticia. Que ótimo projeto! Soa fantástico e essa é uma região que eu sempre quis conhecer. Por aqui estamos começando na Serra da Canastra. Fico feliz que a abordagem regenerativa tem te ajudado. Quem sabe nossos caminhos não se cruzam. Forte abraço.

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